Babá de presos
 
 
Nos municípios da Ilha de Itaparica, policiais se queixam das condições estruturais de trabalho
 
     
 
Marcel Bane e Ana Maria Wartke
Da equipe de reportagem
 
     
 
 
Ana Maria Wartke
 
 
 
 
Antiga sede da delegacia do distrito de Mar Grande, Ilha de Itaparica
 
 
     
 

O sistema penitenciário na Bahia está a anos-luz de ser o ideal. De um lado o Estado que garante fazer investimentos em prol de melhorias nas condições de trabalho de internos e agentes policiais. Do outro, os próprios agentes e pessoas ligadas a entidades filantrópicas. Do lado de dentro, estão os presos. Do lado de fora, lixo, entulho, mato alto, ferragens. Assim funciona a 24ª delegacia de Vera Cruz, em Mar Grande, na Ilha de Itaparica.

O cárcere improvisado funciona porcamente em um imóvel alugado, onde funcionava a delegacia, já devidamente transferida para um imóvel mais novo, quase do outro lado da rua. O odor é acre, a visão desoladora. Em uma cela minúscula se aglomeram oito detentos. Na segunda cela está uma detenta, por ora solitária. O cárcere já registrou 40 presos nesse espaço onde cabem, a rigor, oito, apertados. E conta com outro dado curioso: oito fugas em um ano.

Pedro Alcântara, 49 anos, policial civil, queixa-se da insalubridade do local e das condições de manutenção de presos e do próprio trabalho da polícia: “Ninguém vem aqui ver as condições de trabalho e de encarceramento. Esse pessoal está passando necessidades, ficando doente. Não vem ninguém da Secretaria, os promotores não vêm aqui”. Pedro conta que os próprios agentes precisam, por vezes, encaminhar os internos para fazer suas necessidades. Falta água, o banheiro está entupido. São também os policiais que levam os detentos para o hospital, em caso de doenças. “O cara faz concurso pra polícia e depois termina aqui, sendo babá de preso”, desabafa. A partir da meia-noite os policias se revezam num plantão de duas em duas horas. O dormitório também é precário. Há dois no imóvel. E os beliches parecem que vão desmontar a qualquer minuto. “Nós não queremos melhorias. Queremos é que se acabe com isso aqui. Policial não é carcereiro”, enfatiza.

Superintendente de Assuntos Penais, o tenente-coronel José Francisco Leite explica que os presos só podem ser transferidos das delegacias quando condenados, o que leva um certo tempo, de acordo com ele. Muito tempo, de acordo com os policiais da ilha. “Quando a pessoa é condenada, se a delegacia estiver cheia demais, vem para o Presídio Salvador, que é uma das unidades de presos provisórios, vai-se acumulando lá. Quando lota, mandamos que segurem os presos por lá um tempo. O preso hoje depende só do juiz”, afirma o superintendente. No exato momento em que concedia a entrevista, ele se preparava para conter uma rebelião deflagrada por internos no município de Jequié, transferindo-os para a Penitenciária de Feira de Santana.

Itaparica

Para o delegado plantonista da 19a DP de Itaparica, Rafael Magalhães, o principal problema das delegacias é a superlotação: “Gera-se aquele ciclo vicioso, a Secretaria de Justiça joga para a Secretaria de Segurança Pública, que joga pro governador, e volta de novo. Quem paga o pato são os delegados e agentes. Infelizmente, não temos disponibilidade total para investigar, porque muitos de nós somos usados para tomar conta dos presos”.

A reportagem do JF foi à ilha e constatou que na delegacia de Itaparica não há celas. Quem é preso no município tem de aguardar algemado, no corrimão de um corredor, até a vinda de uma equipe de agentes policiais da delegacia de Mar Grande, município de Vera Cruz, para onde o preso é enviado. Parentes dos acusados, neste caso, se querem fazer contatos têm de viajar para outro município.

O presídio em regime de co-gestão parece ser o modelo que mais se aproxima de um ideal. O Estado nomeia os dirigentes e empresas particulares são contratadas para cuidar de todo o resto, tais como os de Itabuna e Lauro de Freitas “Praticamente não há excesso”, afirma o tenente-coronel Leite.

Ressocialização

Alguns escritórios à frente, a coordenadora de Estudo e Desenvolvimento da Ação Penal, Eliana Passos de Oliveira, esclarece que o papel do Estado é atuante no sentido de capacitação do preso. “A ressociabilização inclui duas áreas, a de educação e a área de trabalho. Ressocializar é educar, formar e capacitar. Estamos falando de melhoria no nível de escolaridade”. Ela afirma que muitos presos em regime semi-aberto trabalham, por exemplo, nos Correios. “A oportunidade é maior para eles na área de prestação de serviços”.

Para a freira Maria de Fátima Nery, a situação não é tão satisfatória assim, “A iniciativa dos Correios é coisa pequena, nós temos aqui 3000, 4000 presos, eles empregam quantos deles?”. Irmã Fátima trabalha há 21 anos na Pastoral Carcerária da Igreja Católica, da qual é vice-coordenadora. “É um trabalho contínuo, feito a semana toda, não se resolve a situação dos presos de uma hora para a outra”, afirma. A pastoral iniciou, há dois anos, um projeto de arrecadação de livros para doar aos presos. Também adquiriu carrinhos de cachorro-quente e churrasco para o trabalho na rua dos presos em condicional. Até há pouco, fiscais da Prefeitura responsáveis pelo comércio de ambulantes, apreendiam. Chegou-se a um acordo, imprimindo-se o selo da Pastoral e da Prefeitura, mas nenhum carrinho apreendido foi devolvido até agora, informa ela.

 

 
     
 
 

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