Espelho, espelho meu
 
 

“Emancipada” de outras escolas, Faculdade de Comunicação faz 20 anos e reflete sua condição

 
     
 
Camila Kowalski e Michele Pinheiro
Da equipe de reportagem
 
     
 
 
Arquivo Labfoto/Facom
 
 
 
     
 
     
 

A Faculdade de Comunicação da UFBA, ou apenas Facom, tem um “clima” próprio. Quem está de fora, ao falar solta palavras como “Faconha”, “All Star”, “óculos de acetato” e “blasé”. Suas duas habilitações, Jornalismo e Produção Cultural, estão entre as mais disputadas no vestibular da UFBA, ocupando o 5° e 11° lugar, respectivamente. O que há na Facom para atrair o interesse de tanta gente?

Segundo Camilo Fróes, 7° semestre de Ciências Sociais, valora-se as coisas com o termo Facom. “Há um estilo, há uma forma, uma imagem que se constrói. Facom para mim é antes de tudo um adjetivo, que agrega hype, vanguarda, retórica, futilidade, movimento e ao mesmo tempo alguma coisa que é o contrário de ‘atitude’. É em muitos aspectos um mundo à parte. Decadente, dizem alguns nostálgicos, mas enxergo com mais freqüência as coisas interessantes”.

O prédio do campus de Ondina onde fica a Facom tem uma varanda na frente. Segundo Flávio Bustani, 11° (?) semestre de Jornalismo, trata-se de “um espaço que preserva as liberdades individuais”. A “Varandinha”, como é conhecida, ficou famosa por abrigar alunos que usam maconha ali mesmo, abertamente. Esse fato contribuiu para a propagação de um dos apelidos mais conhecidos da faculdade.

No entanto, na opinião do professor André Setaro, na casa desde 1979, os alunos são cada vez mais pragmáticos, muito organizados, cumprem os prazos, atendem às expectativas do sistema. Há, hoje, menos disponibilidade para a contemplação que há 20 anos, quando a faculdade foi criada.

Aliás, vale esclarecer: o curso de Jornalismo, na verdade, existe desde 1950. No entanto, entre este ano e 1987, ficou ligado aos cursos de Filosofia e, depois, Biblioteconomia, como um departamento. Somente em 1987 a Faculdade de Comunicação da UFBA se tornou unidade universitária.

Quando conseguiu sua “independência”, a Facom não tinha, entretanto, uma sede. Os alunos se mobilizaram e invadiram o prédio da ex-Biblioteca Central, no Canela. O local foi literalmente ocupado – colchonetes foram levados pelos alunos, que lá se instalaram, aguardando a concretização da transferência da nova faculdade.

No mesmo ano, foi feita uma votação para compor os cargos de diretor e vice. Como o processo eleitoral não era direto, o reitor acabou não nomeando os candidatos vencedores do pleito. Os diretores foram apelidados de “interventores” e passaram a sofrer com as críticas e retaliações dos alunos. “Esses professores passaram maus bocados. Eles entravam para dar aula e todos os alunos viravam as cadeiras ao contrário, ficavam de costas”, conta José Mamede, ex-aluno e atual chefe de departamento da Facom. Os estudantes se organizavam de diversas formas: havia o dia do apito, em que, em um determinado momento, todos apitavam, o dia do grito e até uma queima de Judas, simbolizando o repúdio ao interventor. Os protestos duraram um ano – até que os vencedores da eleição tomaram posse.

Entre 1989 e 1990, foi implantada a primeira pós-graduação (Comunicação e Cultura Contemporâneas). Era a 7ª do Brasil. Primeiro somente com o mestrado, mas depois também doutorado – o primeiro fora do eixo Rio-São Paulo. A segunda pós-graduação (Multidisciplinar em Cultura e Sociedade), também com mestrado e doutorado, foi implantada em 2005.

Em 1996, surge o curso de Produção Cultural. Devido às novas atividades e ao aumento de alunos, o prédio ficou estrangulado. Era preciso pedir salas em outras unidades para que as aulas acontecessem. Mais uma vez, alunos e professores tiveram que se mobilizar para conseguir instalações maiores. Organizaram uma procissão até a Reitoria, carregando uma imagem da santa protetora dos desabrigados – hoje instalada na sala da diretoria. O Conselho Universitário aprovou o direito de uma nova sede para a faculdade. Mas ainda faltava o principal: o espaço. Depois de 3 anos de negociações, a Reitoria cedeu o prédio do antigo Restaurante Universitário, no campus de Ondina, que estava abandonado há uma década.

Deficiência estrutural prejudica aulas

Pelo fato de ocupar um espaço que não foi concebido para abrigar salas de aula, a Facom tem sérios problemas de infra-estrutura. “A sala 09, por exemplo, tem uma pilastra no meio. E desde o começo do semestre uma das lâmpadas está cai-não-cai na cabeça de alguém. Vejo direto alunos, e já vi até professores, mal conseguindo se concentrar por causa do calor, e a aula vira uma grande embromação”, reclama Breno Fernandes, 4° semestre de Jornalismo.

O atual diretor da Facom, Giovandro Ferreira, admite que há uma deficiência estrutural grande e que é preciso melhorar a acústica e climatizar as salas. No entanto, o repasse de verbas é insuficiente para realizar reformas, conservar e adquirir novos equipamentos.

Segundo o ouvidor da faculdade, Umbelino Brasil, a crítica à infra-estrutura é a 3ª mais recorrente (em 1º lugar está o funcionamento da xerox; em 2º, a inexistência de elevador) e a falta de equipamentos ocupa a 4ª posição. Ainda entre as cinco maiores queixas, foram levantadas questões em relação aos horários e ao currículo das disciplinas. Para muitos estudantes, a Facom privilegia mais a parte teórica do que a prática em ambos os cursos oferecidos. No entanto, esse aspecto tem melhorado. Nos primeiros anos da Facom, os estudantes chegaram a fazer pichações comparando a faculdade a uma “Escolinha de Datilografia”.

Para a habilitação de Jornalismo, o Jornal da Facom é um dos poucos lugares em que se pode exercitar a prática efetivamente. “A importância da existência do Jornal da Facom vai muito além ‘dos primeiros passos de uma criança’. É uma oportunidade para aflorar talentos, eliminar medos, superar dificuldades, fortalecer a auto-estima, se sentir de igual para igual com aquele que está te dando ‘a régua e o compasso’”, diz Núbia Tawil, que estudou na faculdade entre 1983 e 1986 e é a atual editora-chefa do programa Bahia Meio-Dia.

Outra forma de aprimorar a prática é através de atividades de extensão. A faculdade conta com seis laboratórios de pesquisa, a Produtora Júnior, a Rádio Facom e o PET (Programa de Educação Tutorial). “É nesse tipo de atividade que você realmente põe em prática aquela máxima do aluno fazer a faculdade”, afirma Breno Fernandes.

Aliás, podem acontecer situações realmente inusitadas envolvendo as atividades práticas. Juliana Protásio, ex-aluna e atual assessora de comunicação do Teatro Vila Velha, conta que, no dia 17 de maio de 2001, posterior ao ‘massacre’ dos estudantes em manifestação a favor da cassação de ACM, os alunos queriam sair da faculdade para participar de uma outra passeata que aconteceria. A professora, sem querer liberar a turma, enviou os estudantes para a rua com a condição de fazer uma cobertura jornalística do fato. “Imagine: um bando de focas loucas com o equipamento da Facom, Paulo, aquele cinegrafista maluco, e a tropa de choque na rua. Caos!”, lembra Juliana.

Para jornalista, Facom contribui para profissionalização do setor

Há uma forte crítica no que diz respeito à falta de interação da Facom com as demais unidades da UFBA. A Facom é amplamente vista como uma “ilha”, por concentrar em um único turno e um único espaço suas disciplinas de graduação. Muitos alunos sequer fazem contatos com estudantes de Letras, cuja sede fica em frente à de Comunicação. No entanto, Albino Rubim, professor titular, ex-diretor e ex-aluno da faculdade, sustenta que essa organização foi proposital, buscando criar uma dinâmica, uma vida interna na faculdade, levando em consideração que a convivência é relevante. Rubim, que dirige o Cult – Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura - acredita que não há controle sobre as disciplinas ensinadas em outras unidades e compara com seus tempos de aluno: “Podia-se cair com um professor bom ou não; era aleatório. E, mesmo assim, não havia interação com outros cursos. Não havia mais conexão, isso é um mito”.

Mas as críticas à faculdade não vêm somente dos alunos. Muitos professores se queixam que os estudantes estão cada vez mais distantes da realidade contemporânea, que não procuram se manter informados. Nesse aspecto, também é preciso repensar as disciplinas oferecidas na Facom. “Há uma boa formação teórica (apesar de às vezes ser excessiva), a prática está melhor do que já foi, mas a analítico-formativa não tem muita importância. Ou seja, cria-se uma escola alienada do mundo”, afirma Albino Rubim.

Cláudio Leal, formado em 2005 e jornalista de A Tarde, aponta a importância da Facom para o jornalismo baiano. Para ele, com a iniciação dos estudos sobre a prática jornalística na Bahia, a faculdade contribuiu para a profissionalização do setor, antes marcado por relações de trabalho precárias. Entretanto, acredita que, hoje, seria “patético” dizer que seu nível de ensino oferece ao aluno os melhores postos no mercado local. Leal também critica a primazia dos estudos de comunicação em detrimento dos de jornalismo. “Predominam, na Facom, as ‘igrejinhas’. As disciplinas viraram tubo de ensaio de linhas de pesquisa da pós-graduação. Nasceu a divisão tola dos professores teóricos e práticos. É mínima a preocupação com debates contemporâneos”, conclui.

Trote

A “recepção” aos calouros na Facom, o chamado “trote” é uma das coisas mais criticadas e gera divergências entre alunos e professores. Jogar tinta, café, farinha de trigo e amarrar os calouros são atitudes consideradas agressivas por uns e lúdicas por outros. Um dos organizadores, Eduardo Nascimento, “O Tenente”, argumenta que o sentido do trote é “fazer brincadeiras, quebrar o gelo inicial que existe entre calouros e veteranos de uma forma saudável”. Para Robson Carneiro, 4º semestre de jornalismo, “o trote é um marco, um ritual de entrada que acontece em toda faculdade tradicional”.

Entretanto, professores e alunos antigos afirmam que esse tipo de recepção não era praticada na Facom até recentemente e se posicionam radicalmente contra. “Isso é barbárie. Sou absolutamente contra o trote burro, na força física. Aceitaria um trote inteligente, como colocar um aluno para dar aula”, critica Albino Rubim. No mesmo sentido, Giovandro Ferreira, diretor da faculdade, afirma que qualquer forma de constrangimento e humilhação é condenável e deve ser evitada.

Festa de comemoração

Para comemorar os vinte anos da Facom serão oferecidas oficinas, mostras de vídeo e de fotografia, além de uma festa de encerramento das atividades. A programação vai de 13 a 17 de agosto no ICBA, Facom, danceteria Zauber Multicultura e nas salas Luís Orlando e Walter da Silveira, nos Barris. Para saber mais, visite www.facom20anos.ufba.br.

 

JF tem dificuldade para ser impresso

Problemas relacionados à burocracia para impressão têm resultado no atraso da periodicidade e impressão deste jornal-laboratório. Por compromisso com o leitor, o primeiro número do semestre somente foi impresso pela gráfica depois que uma aluna da disciplina deixou um cheque pessoal dela em calção, na medida em que outras instâncias da faculdade se negaram a fazê-lo.

O 4º número, previsto para circular a partir de 19 de junho deste ano, deve sair somente depois de solucionado o imbróglio para contratação de uma gráfica habilitada e em situação fiscal normalizada junto ao Governo Federal, exigências para o repasse da verba destinada para impressão.

A administração central da UFBA assegurou 28 mil reais, em consonância com as exigências normativas que regulam a habilitação em Jornalismo pelo MEC, para imprimir 8 edições (4 por semestre) durante 2007. Entretanto as licitações para o serviço realizadas entre março e junho foram anuladas, por problemas relacionados a preços e documentação das empresas gráficas concorrentes, em pregão público nacional.

Jamais o curso de Jornalismo da UFBA teve de enfrentar tal problema, vez que, em toda a sua história, nunca teve um jornal com periodicidade mensal, distribuição ampla e gratuita média de 7.500 exemplares. De março de 2006 a este número, já saíram onze edições, num total de 93 mil cópias, às quais distribuídas em centenas de pontos da capital, região metropolitana e outras partes do país.

Com intensa participação dos alunos, que concorrem a um prêmio de jornalismo laboratorial instituído pelo JF. Em 2006, pelo menos três reportagens de alunos foram mencionadas na grande imprensa, uma delas sobre os maus-tratos a animais e outra sobre fraudes nos vestibulares de faculdades privadas. Esta matéria, inclusive, foi depois pautada pelo maior jornal do Estado, A Tarde, que em 23/12 repercutiu a reportagem em página inteira. Nela, o trabalho do aluno-repórter e de orientação do JF são destacados.
(Da Redação)

 

 
     
 
 

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