Pingo de esperança
 
 
Projetos como Omodara e Feito Sem Saber, iniciativas de moradores, levam alento a comunidades
 
     
 
Guilherme Lopes
Da equipe de reportagem
 
     
 
 
Guilherme Lopes
 
 
 
 
Crianças no Projeto Omodara com uma monitora canadense
 
 
     
 

Todos os dias um grande número de turistas passeia às margens da Lagoa do Abaeté, em Salvador. Se esses visitantes incluíssem em seu roteiro a subida a uma das dunas que circundam a lagoa, veriam a precariedade em que vivem milhares de pessoas nos arredores. Nas comunidades próximas há falta de saneamento básico e de acesso à educação e à saúde. Além disso, dizem os moradores, são freqüentes as incursões truculentas da policia que, alegando busca de traficantes, não hesita em invadir casas de “cidadãos de bem”, aterrorizando a população.

O tráfico de drogas, aliás, constitui um perigo constante para crianças e jovens que sofrem com a falta de oportunidades e vêem na atividade a possibilidade de “subir na vida”. Evitar o recrutamento desses jovens é um dos objetivos de vários projetos sociais existentes nessas mesmas comunidades.

Um deles é o Projeto Omodara – que em ioruba, significa “filho bonito”. A sede do projeto se situa na rua Itapema, Itapuã. Fundado há sete meses, o Omodara acolhe crianças e adolescentes carentes das comunidades de Itapuã e adjacências, como São Cristóvão e Bairro da Paz. Atualmente estão inscritos 170 jovens. Lá, eles têm aulas gratuitas de inglês e francês, além de oficinas de leitura, balé clássico e hip-hop. Tanto as aulas como as oficinas são oferecidas por monitores voluntários como Estrela da Paixão, 43, que é monitora das aulas de português.

Estrela diz que decidiu entrar no projeto por se sentir incomodada em ver tantas crianças pedindo esmola nas ruas da cidade. Participar do projeto “é a minha forma de ajudar a melhorar a situação”, afirma. Professora da rede estadual há quase vinte anos, explica que no Omodara “a experiência está sendo totalmente nova”. “A família [no caso da educação comum] se afastou da escola. Aqui nós temos o contato com os pais no dia a dia. Em qualquer evento tem mãe para ajudar”. Além disso, ela considera o contato com os monitores estrangeiros muito importante para os jovens.

Monitores como Serena Santilly e Daniel Bastien, ambos de 23 anos. Canadenses de nascimento, eles chegaram ao Brasil há seis meses, após concluírem o curso de Ciências Políticas. “Quando nos formamos, no Canadá, não sabíamos exatamente o que fazer. Surgiu então a oportunidade de conhecer o Brasil”, explica Daniel. “Aqui começamos a dar aulas em cursos particulares. Um dia, por coincidência, conheci o Omodara”. Além dele, outros seis jovens belgas já foram monitores no projeto, apesar do pouco tempo de existência do mesmo.

Isto porque o Omodara conta com uma parceria com a Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, instituição que facilita o contato com os jovens e ajuda economicamente o projeto. Financeiramente, aliás, esta é a única ajuda que o Omodara recebe, uma vez que não conta com o apoio da Prefeitura de Salvador nem do governo estadual.

Projetos como esse ajudam jovens como Ismael dos Santos, 16, morador do Bairro da Paz. Segundo Lúcia Pires, diretora do Projeto Omodara, que convidou o adolescente a participar das aulas de hip-hop, Ismael mal levantava a cabeça ou falava com as pessoas quando ela o conheceu há cinco meses. Hoje, ainda com certa desconfiança e a voz tímida, ele conta para a reportagem que começou a “rimar” aos 13 anos. “Eu acho legal o Omodara. Acho legal tudo o que divulgue o hip-hop. Quero chegar longe ainda”, afirma.

Polícia e tráfico amedrontam

Além do Omodara, outro projeto cultural atende crianças e jovens da Baixa da Soronha, em Itapuã. Trata-se do Projeto Cultural Feito Sem Saber, localizado dentro da própria comunidade. Alexandro Cossino, 27, presidente, explica que o projeto existe há dez anos, e que surgiu “após uma peça de teatro que eu e outros rapazes fizemos para o dia das mães”. Cossino, que então sobrevivia como guardador de carros, conta que as mães ficaram emocionadas e começaram a apoiar o grupo, que cresceu e hoje oferece aulas de informática, dança, teatro e hip-hop para cerca de 50 crianças, além de ser o responsável pela rádio comunitária. O projeto se mantém inteiramente com a ajuda dos moradores da Baixa do Soronha e, ao contrário do Projeto Omodara, não conta com a presença de nenhum monitor estrangeiro. Segundo Cossino, isso não impede que seja o projeto “que mais realiza pela comunidade”.

Quanto às dificuldades enfrentadas no dia-a-dia, ele afirma que a ação policial é o maior entrave. “Se a gente perder uma criança aqui, a gente perde uma vida. Eles passam atirando, metendo bala em tudo aqui e a gente fica amedrontado. Os pais têm medo de mandar as crianças virem para o projeto”, declara. De fato, são visíveis as marcas de bala em algumas paredes externas, tanto da sede do projeto quanto de residências próximas. “A gente não quer diferença com a polícia, a gente quer que a polícia nos proteja. A gente não tá aqui para ser apoio a traficante ou a ladrão, não, mas a polícia não pode chegar simplesmente enfiando o pé na porta”, afirma.

 

 
     
 
 

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