Vendendo bóia a afogado
 
 
Demanda por empréstimos que enriquecem financeiras reflete baixo poder aquisitivo do brasileiro
 
     
 
Eva Cavalcanti e Mirela Gonçalves
Da equipe de reportagem
 
     
 
 
 
 
 
     
 
     
 

Percorrendo a pé as principais avenidas do comércio, em Salvador, é possível perceber algo que a publicidade televisiva já denuncia: as empresas de crédito pessoal estão cada vez mais numerosas e comuns no cotidiano dos brasileiros e baianos. As siglas se multiplicam, muitas vezes sem significado claro: BGN, BMG, BPN, CREFISA, IBI, ASB, UNICRED, TOPCRED, SIMPLES...

Uma consulta com a expressão “financeiras bahia” no site “www.listaonline.com.br” traz exatos 147 números de telefone, sendo 85,6% deles situados em Salvador e região metropolitana.

Por que o crédito pessoal se tornou tão popular? Uma das causas é o baixo poder aquisitivo da população, aliado às supostas facilidades alardeadas pelas chamadas instituições financeiras. As estratégias de sedução de tais empresas são nada sutis. Prometem dinheiro na hora, sob medida, sem burocracia. Muitas até oferecem o serviço de simulação financeira do crédito ou envio de proposta online em seus sites oficiais. É o sonho da casa própria, do carro novo, da faculdade para os filhos... dividido em cômodas prestações. Segundo Iherinf Carvalho, professor de economia da UFBA, o negócio pode ser definido como “vender bóia a afogados, com o beneplácito do Estado”.

Para o professor, as financeiras se aproveitam da demanda crescente pelos empréstimos a qualquer custo para fazer dinheiro, emprestando o seu capital e transferindo o que recebe – o capital emprestado mais os juros – para outros aplicadores (em geral bancos comerciais). Dessa forma, o lucro cresce rápido, uma bola de neve descendo em uma avalanche. Foi assim que empresas como a Fininvest, com 40 anos de experiência, acumularam um montante de 1,9 bilhões de reais em títulos comercializáveis, possuindo hoje cerca de 4,6 milhões de clientes ativos no país, segundo dados oficiais.

Eunice Oliveira, servidora pós-graduada em gestão pública da Prefeitura de Camaçari, fala com a propriedade de quem acaba de passar pela experiência de quitar um empréstimo: “O processo é simples: se tudo tiver certo, 48 horas no máximo; o mais difícil é lembrar que durante dois anos eu vou ter que abrir mão de uma parte do meu salário sem reclamar”, conta.

Disparidades

Antes de recorrer ao empréstimo consignado – possíveis através de convênio entre instituições financeiras e órgãos públicos, que permitem o desconto mensal do crédito na folha de pagamento do servidor ou aposentado – Eunice descobriu uma grande diferença entre esse tipo de empréstimo e os oferecidos nos ‘balcões BPN da cidade’: os juros elevados. A BPN Brasil, por exemplo, opera com uma taxa de 10,15% ao mês (fonte: Banco Central do Brasil - Período: de 08/05/2007 a 14/05/2007), enquanto a taxa incidente no empréstimo da servidora foi de 2,9% (no início de 2006).

Ela explica que tal disparidade se deve ao fator risco: “No meu caso, o risco da financeira é zero, porque meu salário já cai na conta deduzido da parcela do empréstimo, enquanto os do tipo ‘não consignados’ trabalham com cheques pré-datados, que poderão ter ou não fundos na data do resgate”.

Mesmo diante de tantos números, porcentagens, estatísticas e termos às vezes obscuros para a maioria, a conclusão diante das financeiras em profusão é muito simples: cuidado com as aparentes facilidades que podem esconder armadilhas. O professor Carvalho aconselha: “Primeiro, evite os empréstimos fáceis, oferecidos na rua. Segundo, procure orientação das linhas de créditos que podem ser usadas para o tipo de uso que você pretende fazer do dinheiro, seja com o amigo do amigo, no banco em que você tem conta ou nos bancos oficiais. A expressão eternizada no famoso samba aplica-se perfeitamente: laranja madura na beira da estrada ou está bichada ou tem maribondo no pé”.

 

 
     
 
 

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