Redução criminosa
 
 
Diante do “choque” de violência mostrado na TV, setores da sociedade querem endurecer com os fracos
 
     
 
Manuella Cavalcanti e Nara Nogueira
Da equipe de reportagem
 
     
 
 
 
 
 
     
 
     
 

Ronaldo, 17, mora nas ruas desde os 11 anos. É o mais velho de sete irmãos e não conhece seu pai. Fugiu de casa por não agüentar os maus tratos do seu padrasto. Ronaldo foi detido em flagrante por tráfico de drogas e porte ilegal de armas e está internado em um centro sócio-educativo. Essa é a terceira vez que a polícia o detém.

Apesar de Ronaldo ser um personagem fictício, a história não é. Desde a morte, no Rio de Janeiro, de João Hélio, o debate sobre a violência juvenil e a redução da maioridade penal voltou à cena em diversas esferas da sociedade. A criança, de apenas seis anos, foi arrastada por 7 quilômetros, presa ao cinto de segurança, depois do carro em que estava ter sido roubado por dois assaltantes, um deles com 16 anos. A grande mídia nacional badalou o episódio semanas a fio.

Em abril de 2007 foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado o texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal no país.

Atualmente, o adolescente ao ser flagrado em ato infracional é encaminhado à Delegacia para o Adolescente Infrator (DAI) e depois é mandado para a Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac), onde fica em internamento provisório aguardando a decisão judicial da Vara da Infância e Juventude. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o adolescente poderá ser submetido às seguintes medidas sócio-educativas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semi-liberdade e internação em estabelecimento educacional. De acordo com o ECA, o adolescente (dos 12 aos 18 anos) pode, no máximo, ficar três anos internado em uma unidade sócio-educativa.

Na Bahia, a Fundac é responsável pela execução da política de atendimento à criança e ao adolescente envolvido em ato infracional e pelos programas sócio-educativos e de proteção ao adolescente infrator. Ela tem na sua estrutura funcional 9 unidades para o atendimento. Essas unidades oferecem ao adolescente educação, saúde integral, segurança e atendimento familiar, entre outros serviços, para promover a ressocialização do menor. “Por ser um individuo em condição especial de desenvolvimento, o adolescente tem particularidades ao lidar com os problemas da vida, não sendo fácil sua reinserção na sociedade”, afirma Fátima Rocha, gerente de atendimento sócio-educativo da instituição.

Rocha acredita que as principais causas da violência são fatores sócio-econômicos e a carência afetiva. Conclui afirmando que “o jovem infrator já sofreu diversas formas de violência ao longo da vida”. Solange Pinho, psiquiatra especializada em crianças e adolescentes, tem opinião semelhante à de Rocha. Para ela, os principais fatores que geram um comportamento infrator são núcleo familiar desorganizado ou inexistente, ausência de afeto e autoridade por parte dos pais, renda familiar insuficiente, moradia inadequada e falta de instrução.

Pinho realizou uma pesquisa com os jovens em conflito com a lei internados na antiga Casa de Acolhimento ao Menor (Cam), em 2003, atual Centro de Atendimento Sócio-educativo Salvador (Case). A médica afirma que, de acordo com a sua pesquisa, “as causas sociais aparecem como as de maior peso na determinação do comportamento violento”.

Projeto aguarda votação

Se a PEC for aprovada pelo Congresso Nacional, o adolescente infrator de 16 anos em diante cumprirá pena em local distinto dos presos maiores de 18 anos. O texto propõe também a substituição da pena por medidas sócio-educativas – desde que o menor não tenha cometido crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas ou atos de terrorismo. De acordo com pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, a proposta tem poucas chances de passar no Congresso. O levantamento mostra que 47% dos parlamentares são a favor e 43% são contra o texto de Demóstenes Torres (DEM-GO).

A população, entretanto, demonstra anseio à redução da maioridade penal. Segundo estudo realizada pelo DataSenado, 87% da população acredita que adolescentes com menos de 18 anos devem ser punidos como adultos. A pesquisa do DataSenado foi realizada entre março e abril por telefone com 1.068 pessoas de 130 municípios, de todos os Estados.

Fátima Rocha afirma que as conseqüências da redução da maioridade penal serão as piores possíveis. Ela não acredita que seja necessário um tempo maior do que três anos de punição, mesmo nos casos de crime hediondo. “Três anos na vida de um adolescente de 16 anos não é pouco tempo, representa 18,7% de sua existência”, diz Rocha. “O aprisionamento interfere na formação. Privar o adolescente de liberdade pode causar inúmeros transtornos ao seu desenvolvimento”, conclui.

Solange Pinho considera que a redução da maioridade penal não traria solução efetiva para a violência que existe no Brasil, visto que esta decorre de problemas políticos e sociais que, se não resolvidos, vão funcionar como mantenedores da situação. Ela assegura que “os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal”.

A impunidade dos adolescentes em conflito com a lei é um pseudo-problema, segundo Wellington César Lima e Silva, promotor da 6ª vara criminal. “Há um falseamento dos dados para legitimar um discurso mais punitivo, de lei e ordem. Na verdade, o providencial seria aprofundar instrumentos para reabilitar o adolescente”, afirma o promotor. Para ele, o adolescente deve ser mantido longe do sistema carcerário, que está deteriorado. “Aplicar aos adolescentes um modelo de punição implantado para os adultos significaria tornar mais agudo o quadro em que se encontra o sistema penitenciário”.

O juiz substituto da 2ª vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça da Bahia, Eduardo Freitas Paranhos Filho, não concorda com a PEC, mas acredita que o Estatuto da Criança e do Adolescente deve sofrer modificações. “Três anos é insuficiente para um adolescente que comete uma infração grave. Ele deve ficar internado por pelo menos 10 anos”.

A PEC aguarda votação no plenário do Senado, que será realizada em dois turnos. Depois, também terá que ser apreciada pela Câmara.

 
     
 
 

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