Quando os "heróis" falham
 
 
Vistos como detentores de poder sobrehumanao, médicos são pressionados a nunca errar
 
     
 
Alana Camara e Rodrigo Lessa
Da equipe de reportagem
 
     
 
 
 
 
 
     
 
     
 

A criança entra no consultório de uma clínica privada, no ambulatório do posto de saúde de seu bairro ou na emergência de um hospital do Estado. Ela está acompanhada por sua mãe, mas esta parece não oferecer conforto e segurança suficientes. Ao ser atendida, a criança se vê frente a frente com um super-herói. O médico, com seu jaleco branco e típico estetoscópio, pergunta o que ela tem. Com os lábios tremendo, gaguejando, a criança oscila entre a fala e a respiração pesada. Ela acredita estar na frente do homem que irá salvar sua vida, mesmo que ela tenha apenas um leve resfriado.

Para muitos, os médicos parecem estar revestidos por uma aura que os torna profissionais diferentes dos outros. Como se eles tivessem um poder que ninguém mais tem, fruto de seu conhecimento e de sua competência. O paciente, doente e emocionalmente abalado, agarra-se à figura do médico e nela deposita suas esperanças de continuar vivo, ainda que não haja garantias. É uma relação que cria laços de confiança e expectativas. “Quando o paciente confia de fato em um médico, ele acaba sempre duvidando dos outros, caso eles lhe dêem um diagnóstico diferente”, afirma a endocrinologista Verônica Telles. O maior conflito nessa relação surge quando o médico falha. A idéia de que o médico pode – e por vezes de fato irá – errar tornou-se quase ofensiva.

Médica há 18 anos, Verônica diz que não se sente pressionada pela expectativa dos pacientes, sendo sempre o mais sincera possível. “Cabe ao médico não prometer, não criar falsas esperanças, mas falar das possibilidades reais de tratamento”, conta. Ela admite que mesmo estudando e dedicando muita atenção a cada caso, é sim passível de erro. “Sedimentou-se a idéia de que qualquer não-resposta ao tratamento, ou morte, só podem ser conseqüências de erro médico”, afirma. Para a médica, as pessoas acham que o problema não está no fato da doença ser muito grave ou do estado em que já se encontra o paciente, mas apenas do médico que não o tratou adequadamente.

Simulação

Um repórter do JF, simulando dor no tornozelo, dirigiu-se a uma clinica ortopédica particular situada na Pituba. Recorrendo à entrada lateral e menos luxuosa da clínica (destinada ao atendimento pelo Sistema Único de Saúde), o repórter foi assistido por um médico e uma enfermeira, após esperar 20 minutos e assinar uma guia do SUS. O médico recomendou a imobilização do pé, supostamente machucado, após um exame de raio-x que não acusou nenhuma fratura.

A princípio, parece um óbvio caso de erro médico. Entretanto, um erro médico não pode ser visto de maneira tão simplista. Avaliar esse tipo de ocorrência é sempre complicado, pois existem fatores muito subjetivos que influenciam cada caso de maneira diferente. “Se o paciente diz que está com dor, o médico deve partir do pressuposto de que realmente existe dor, e fazer algo para pará-la”, afirma o primeiro secretário do CREMEB - Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia, Dr. José Márcio Villaça Maia.

Para a estudante Fabiane Andrade, 24 anos, as pessoas geralmente procuram o médico almejando a cura. “Quando a cura não ocorre a pessoa acaba insatisfeita, querendo encontrar culpados”, opina. Nos acostumamos a pensar que o médico não pode errar e, em se tratando de expectativas, nos frustramos quando elas não são correspondidas. “Tentamos transferir a frustração que sentimos para alguém, que acaba sendo o médico. É mais fácil culpá-lo do que a nós mesmos, ou à doença.”, conclui a estudante. O que assusta muitas vezes o paciente é a idéia de que um erro cometido pelo médico pode ser irremediável.

Pode-se processar um médico intentando não apenas uma reparação financeira mas também a punição pelo fato dele não ter sido o herói que parecia a princípio. O julgamento do erro médico é realizado através dos conselhos de ética e guiado por seus iguais. Nesse tipo de audiência, assim como em processos civis, o acusador precisa provar a culpa do réu e não o contrário. “A relação médico-paciente é complexa, nela estão presentes diversos fatores subjetivos, que irão influenciar no caso como atenuantes ou agravantes”, conta o Dr. Maia. E se o erro será agravado ou atenuado quem irá julgar é a comissão criada para analisá-lo, através de seus conhecimentos e valores, conforme afirma o primeiro secretário do CREMEB.

 

 
     
 
 

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