Navalha na carne
 
 
Como avaliar e punir professores considerados ruins pelos alunos, sem cometer injustiças?
 
     
 
Aguirre Talento
Da equipe de reportagem
 
     
     
 

“Você só pode tomar uma atitude quando terminar o curso, porque senão o professor te marca”, afirma João Martini, aluno de Engenharia Civil da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ele se refere à dificuldade existente nas universidades públicas de reclamar de um docente e, mais ainda, de essa reclamação gerar maiores conseqüências, como uma demissão.

“Quando alunos descontentes vêm procurar o departamento, nós entramos em contato com o professor e procuramos resolver o problema através do diálogo”, explica Isaac Lázaro, chefe do departamento de matemática da UFBA. O único caso de demissão envolvendo seu departamento foi o de um professor substituto que passou 30 dias sem dar aula. Por se tratar de um substituto, “o desligamento é mais fácil, pois ele tem um contrato precário”, revela Lázaro.

Um professor de universidade pública é um funcionário público concursado e, por isso, goza de estabilidade empregatícia. “Ele até pode ser demitido, mas tem que passar por uma investigação para ser apurada uma falta grave que justifique a exoneração dele do seu cargo”, explica o advogado Luís Melo. Segundo ele, é muito difícil que uma suposta má-qualidade do professor cause uma demissão, porque tal avaliação funda-se em critérios subjetivos e de difícil comprovação.

Mesmo com a existência dessas dificuldades, alunos ainda encontram maneiras para exigir docentes de qualidade. Na Faculdade de Comunicação da UFBA, circulou em maio um abaixo-assinado com o objetivo de afastar o professor Jonicael Cedraz das  aulas da disciplina Oficina de Radiojornalismo. “Existe historicamente uma insatisfação com as aulas de Jonicael, existem várias queixas dos estudantes a respeito das aulas dele”, conta Renato Cordeiro, organizador do documento. Por sua vez, Cedraz alega: “Não temos as condições mínimas de funcionamento para um laboratório de radiojornalismo”, atribuindo a tais problemas o descontentamento dos alunos.

O abaixo-assinado foi apresentado em uma reunião do departamento da Facom ocorrida em 21 de maio e continha 120 assinaturas. Decidiu-se pela formação de uma comissão de sindicância composta por outros dois professores e por uma estudante membro do Centro Acadêmico. Na próxima reunião de departamento será apresentado um parecer sobre a atuação docente de Cedraz, podendo ou não ser acatado o pedido de afastamento da sua disciplina.

Em faculdades particulares, o desligamento de um professor é mais fácil e mais comum. “O professor de uma faculdade privada está ligado à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Isso permite que ele seja dispensado com relativa facilidade, desde que seja paga sua rescisão. Então, por exemplo, pode ser alegada uma diminuição de custos e despedir”, explica Melo.

Nessas instituições, os abaixo-assinados de alunos costumam ser mais efetivos. Roberta Oliveira, ex-aluna da Escola Superior de Matemática da Bahia (ESEB), disse à reportagem que um professor de matemática foi demitido da instituição há alguns anos devido a um abaixo-assinado de sua turma. “Quem tinha facilidade com a matéria conseguia acompanhar, mas para quem tinha dificuldade ele deixava a desejar, não tinha preocupação com esses estudantes e ainda começou a marcá-los”, conta ela. Os alunos se manifestaram e após o término do semestre o professor foi demitido. “O que ele não entendeu é que numa faculdade privada, quem manda são os alunos. As aulas têm que se adequar a eles”, explica.

Para o professor Joviniano Neto, presidente da Associação dos Professores Universitários da Bahia (APUB),  a estabilidade empregatícia de um professor concursado não o tornaria acomodado, pois “há muitos outros estímulos e cobranças”. Como exemplo ele citou relatórios periódicos, execução de projetos de pesquisa, ministração de aulas em disciplinas que, muitas vezes, não se repetem, encargos de chefia de departamento e colegiados de curso, dentre outros.

No entanto, nenhum desses “estímulos” garante por si só a qualidade da aula de um docente. O professor Robert Verhine, mentor de um sistema de avaliação docente existente na UFBA, opina criticamente: “Com certeza essa estabilidade atrapalha a qualidade do ensino. Há professores que não vão para a aula, não preparam suas aulas, não fazem esforço nenhum para melhorar. Sou da opinião que todos os professores devem ser responsabilizados pelo trabalho que realizam”.

 
     
 
 

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