Bolsa fraudada
 
 
Famílias carentes, seguindo exemplo dos “de cima”, também querem tirar a sua lasquinha do Estado
 
     
 
Camila Moreira
Da equipe de reportagem
 
     
 
 
Danielle Villela
 
 
 
     
 
     
 

J.A. não vive seus melhores dias. Recentemente separada do companheiro, a empregada doméstica de 52 anos está desesperada com a ameaça feita por seu antigo cônjuge: ou divide o benefício que ela recebe do programa social Bolsa Família, ou ele a denuncia por fraudar o auxílio federal. Mesmo com a renda média de um salário mínimo, a doméstica que mora no bairro de Itinga não possui o perfil que dá acesso ao programa. Recebendo de forma ilegal dois benefícios por um mesmo filho, J.A. está na lista de famílias que terão seus cartões bloqueados. Em Salvador, este número chega a quase 7 mil.

A partir do cruzamento de dados realizado pelo Ministério Público Federal, com base em informações verificadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) nos anos de 2004 e 2005, constatou-se que o perfil declarado por algumas famílias no ato do cadastramento não corresponde aos números do IBGE. São famílias que, segundo os dados, não possuem a renda máxima estabelecida para participar do programa, que é de 120 reais. De acordo com os números apresentados pela coordenadora do CIAS (Centro de Informação de Assistência Social) para o cadastro único da Bolsa Família, Jocerlene Lessa, aproximadamente 138.000 famílias soteropolitanas fazem parte do programa federal.

Para a dona de casa Maria do Socorro Silva, que tem dois filhos em idade escolar, e há 4 anos recebe o benefício, “o dinheiro que a gente recebe ajuda nas compras do lanche e do material escolar dos meninos”. Embora não esteja mais desempregada, como na época em que se inscreveu no programa, a moradora do bairro de Saramandaia garante que o dinheiro é indispensável à renda da família “80,00 reais pode parecer pouco mas não é não, ai de mim se não fosse ele”.Hoje, a família Silva conta com o salário do marido que trabalha numa mercearia do bairro, mais o dinheiro que Maria do Socorro ganha fazendo faxina. Algo em torno de 580 reais.

Se deputado, senador e juiz podem, por que outros não? Beneficiárias do programa, J.A. e Maria do Socorro, embora donas de casa de baixa renda, não poderiam ser contempladas com o auxílio do Bolsa Família. Segundo o Procurador da República Federal na Bahia, Israel Gonçalves, esse é o tipo de ilegalidade mais recorrente em Salvador: “A maioria das irregularidades denunciadas aqui são de pessoas que possuem uma renda pouco superior a 120 reais”. Um outro tipo de comportamento já se faz presente em alguns lugares do Estado, acrescenta o procurador. “Tem muita gente hoje que prefere não ter sua carteira de trabalho assinada para não perder o benefício”.

Numa nova etapa do programa, o cadastramento é feito na capital baiana mediante a apresentação da carteira profissional, além de uma visita domiciliar realizada por uma equipe formada pelo CIAS. Ainda assim, pode-se encontrar em cidades do interior a chamada “fraude grande”. Atualmente, estão sob investigação do MP Federal na Bahia cerca de dez procedimentos irregulares do Bolsa Família. Um vereador na cidade de Ribeira do Amparo, que fraudava o programa mesmo com um salário de 2 mil e 500 reais por mês, além de fazendeiros na cidade de Aporá que recebiam o benefício no lugar dos trabalhadores rurais, são exemplos desses processos.

Limitações

Se a empregada doméstica J.A. recebe dois benefícios por um único filho, além de viver com uma renda superior àquela declarada em seu cadastro, em algum momento, o controle feito pelo programa falhou. Neste caso, tal irregularidade poderia ser verificada através dos relatórios de freqüência escolar, enviados ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) pela Secretaria de Educação de Salvador. Como gestor do programa, o órgão municipal tem a função de repassar ao governo federal relatórios bimestrais com a assiduidade na escola da criança contemplada. Mas de acordo com a chefe do setor de Bolsa Família da Secretaria de Educação, Rita Sales, há uma grande dificuldade em receber essas informações de escolas pequenas, creches e colégios estaduais.

No último relatório enviado pelo município ao MDS, apenas 50% dos estudantes beneficiados tinham sua freqüência comprovada pelos diretores dessas instituições. Sales ainda alerta sobre a impossibilidade de localizar e atualizar dados de todos os alunos que recebem o benefício hoje. “Mesmo que a gente se esforce, nunca chegaremos a contemplar 100% da freqüência”.  Os alunos não localizados pela secretaria ou que não tiveram seus nomes enviados pela direção do colégio têm o benefício bloqueado. Em Salvador o mais recente relatório contava com mais de 60 alunos nessa situação.

E se o envio de dados referentes à freqüência escolar de estudantes ainda é insuficiente, o controle acerca da caderneta de vacinação é inexistente. Segundo dados do MP Federal, Salvador não envia qualquer informação quanto à situação dos dados de vacinação das crianças, outro critério que permite o acesso ao programa. Quando questionada sobre a vacinação dos filhos, Maria do Socorro é direta: “Claro, vacino meus filhos tudo direitinho, mas às vezes esqueço de levar o cartão deles”.

 
     
 
 

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