No dia em que puderem reunir um pouco de fezes do Paulo Francis, algum escarro de Gregório de Mattos e uma quantidade razoável de pentelhos do Stálin, terão encontrado o meu caldo primordial. Bem menos romântico que a poeira estrelar da qual são compostos os pobres alvos de minhas críticas. Eu falo de mim, claro. A musa da poesia moderna é a metalinguagem. E jamais digo “em minha opinião”. Se eu estou dizendo, obviamente é minha opinião. Mamãe bibliotecária me ensinou ABNT e eu fingi que aprendi. Assumindo o fingimento, que é uma forma de ser um mentiroso honesto. Limpinho, impostos pagos, outras coisas impostas.
Nos os últimos cinco anos, andei por ai fazendo uma literatura bastante porca e críticas, e críticas e críticas. Com isso, ganhei alguma notoriedade. Pejorativa, na maioria das vezes. Falem mal, mas falem pouco. É o meu lema. Não tem funcionado, as pessoas falam mal, falam muito e, principalmente, falam muito mal.
O meu caminho para o estrelato se deu na estradinha de Geociências (entrada da UFBA via Caetano Moura), onde recebi uma ameaça pelos absurdos que escrevo. Depois disso, perdi minha coluna no jornal A Tarde (onde escrevi por mais de quatro anos). Mas vocês já devem estar carecas de ouvir essa estória. Todo mundo está. Virou assunto de mesa de bar. Algo como discutir se Capitu traiu ou não. E eu digo que ela não traiu. Bento Santiago. É Bento, mas é também Iago. Iago da Desdémona, claro. E Desdémona lembra desdém, que é o que tudo isso vem me causando. Ver demais por ver demais, ando preferindo o Seymour Glass.
Quando Eça de Queiroz lançou O Primo Basílio, Machado disse que o livro ensinava as moças de classe média a escolherem suas empregadas. Eça perdeu o bonde da história, esqueceu que, no realismo, o protagonista é o povo. O protagonista deveria ser Juliana, e não Luísa. A Tarde esqueceu a mesma coisa e perdeu o bonde da história por muitos séculos de atraso. Talvez agora tenha aprendido a escolher suas empregadas.
Juliana Cunha, colunista deste jornal, estuda Letras na UFBA.
e-mail: julianasilvacunha@hotmail.com
Colunista foi ameaçada
A partir deste número o JF conta com a colaboração de Juliana Cunha, 19 anos, que aceitou convite para manter uma coluna neste jornal. Ela poderá escrever sobre o que quiser e da forma que quiser. Juliana, que faz Letras na Universidade Federal da Bahia, e mantém um blog (www.filosofiaprivada.com), recentemente esteve envolvida num fervoroso debate público, via imprensa e listas na Internet, depois de ter sido vítima de ameaça à sua integridade física por um desconhecido no campus da UFBA, descontente, como muitos, com o que ela escreve. A seguir, a polêmica coluna semanal que mantinha no suplemento “teen” do maior jornal da Bahia foi extinta, depois que ela criticou o jornal por não ter ido à sua defesa diante da ameaça que sofreu. (Da Redação)
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