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Próxima parada, o caos

Terminais centrais de ônibus agonizam em Salvador; prefeito quer privatizar, mas MP vê irregularidades

 

Lívia Nery
Da equipe de reportagem

 
Lívia Nery
Lapa, maior estação de ônibus da cidade, enfrenta problemas que se agravam desde a sua inauguração em novembro de 1982
 

O debate acerca da terceirização das estações de transbordo de Salvador se intensificou nos últimos meses. O Ministério Público recomendou a suspensão do edital de licitação, por detectar diversas irregularidades. O Movimento em Defesa do Transporte Público de Salvador (MDTPS) reivindica estudos demonstrando se a Prefeitura é ou não capaz de gerir o sistema de transbordo e pede a suspensão definitiva do processo. Do outro lado, a Superintendência de Transporte Público (STP) alega crise financeira sem perspectivas de superação. Na Estação da Lapa, dona Adelice Santana, que não tem opinião formada sobre o assunto, só quer mesmo um banheiro limpo.

Pela estação da Lapa passam quase 460 mil pessoas diariamente, de acordo com a STP. Até o fechamento desta matéria, os banheiros fixos estavam interditados e os químicos praticamente inutilizáveis pela sujeira e mau cheiro. “Quando eu preciso, uso o banheiro do shopping, porque aqui não tem condições”, comenta dona Adelice. Este é apenas um entre muitos dos problemas que afetam as estações de transbordo de Salvador.

“A gente olha esses pontos, mas não tem dinheiro para melhorar. Não é má vontade do gestor. Eu traduzo isso como uma incapacidade financeira do Estado em dotar os equipamentos de boa infra-estrutura”. Foi o que declarou o superintendente de transporte, Gervásio Carvalho. Ele alegou déficit na balança da STP e disse que o sistema consome 2 milhões e 331 mil reais/mês, mas arrecada apenas 1 milhão e 400 mil reais. “Se você não tem recursos orçamentários, busca-se alternativas, como a iniciativa privada para gerir com contrapartidas”, conclui.

Apesar da afirmação do superintendente, um dos quesitos imprecisos no edital de licitação para a terceirização foram as tais “contrapartidas”. Segundo a promotora Heliete Viana, faltou discriminação de todas as obras e atividades que a empresa vencedora teria que fazer para o funcionamento adequado dos equipamentos. Viana também considerou “irrisório” o valor mínimo de 100 mil reais por ano (12 mil e 500 reais por mês), que a licitante deve pagar à Prefeitura, para explorar o conjunto das oito estações, e pediu esclarecimentos sobre como se chegou a este valor.

Evandro Velame, diretor da Associação dos Servidores do Transporte (Astran), que faz parte do MDTPS, explica que o movimento é contra a terceirização como foi apresentada no edital e afirma que a questão não está sendo bem discutida. Segundo ele, uma tendência privatizante do governo está por trás da concessão. “A impressão que fica é a de que a Prefeitura quis se ver livre de um problema que é dela, do qual ela é regimentalmente responsável”, aponta.

O movimento reivindica também dados detalhados das contas públicas, como os custos das estações e o que elas oferecem (e podem oferecer) em retorno. Mesmo os valores fornecidos pelo superintendente, para Velame, não justificam a opção por privatizar. “Queremos mostrar que o poder público tem um quadro técnico competente para gerir isso e buscar uma alternativa financeira”, explica o servidor, discordando de sua categoria ser freqüentemente taxada pela população de incompetente e preguiçosa. Para ele, em sendo evidenciada a incapacidade da Prefeitura gerir as estações, o movimento está disposto a caminhar para uma terceirização “que ouça as necessidades de todos os envolvidos”.

Gervásio Carvalho se declarou aberto a propostas “viáveis”. “Se me trouxerem e for boa, eu levo ao prefeito para tentar pôr em prática. Não quero que só contrariem nossa proposta, quero que nos tragam outra alternativa”. Ele negou haver uma “tendência privatizante” por trás do edital. “É fundamental que o Estado tenha capacidade de administrar, mas não tem”, justificou mais uma vez.

O superintendente da STP afirmou também que vai atender aos questionamentos e está aguardando um documento do MDTPS com recomendações para “aperfeiçoar” o edital. Quando perguntado sobre a disponibilização das contas da Superintendência, Carvalho afirmou que não é obrigado a torná-las públicas e que não achou necessário colocá-las no edital.

A “raiz” do problema

Sucatear para privatizar. Esta foi a tendência do poder público em relação às estações, na opinião do MDTPS. Para Edvandro Velame, diretor da Astran e membro do movimento, a falência do sistema de transbordo atingiu seu ponto crítico com o “boicote” financeiro a STP, motivado pela redução da taxa de gerenciamento das estações.

A taxa diminuiu depois que as empresas de ônibus, que são obrigadas a pagá-la, conseguiram na Justiça o direito a reduzir o percentual repassado. De 4% da arrecadação geral com passagens de ônibus, a STP passou a receber 2%, cortando quase pela metade os seus fundos (a taxa corresponde a 84% de sua receita). Para Velame, esta é a raiz do problema. “A STP ficou impossibilitada de manter as estações, elas ficaram sucateadas e o caos foi instalado, justificando a privatização”, afirma.

Velame não tem provas de que esta ação foi proposital. “Estou juntando fatos. Coincidentemente. em dezembro de 2004, houve esta ação e, a partir daí, houve uma deterioração das condições de trabalho da STP”, afirma. Para ele, a ação foi uma “insubordinação civil dos empresários”. “As estações deveriam continuar sendo custeadas também por eles, que se utilizam dela para arrecadar sua receita, com seus ônibus particulares”, completa.

A “falta” de orçamento

“Discordo quando dizem que deixaram sucatear as estações de propósito”, afirma o superintendente de transportes Gervásio Carvalho. Ele diz acreditar que todos os prefeitos quiseram oferecer boa infra-estrutura nas estações, mas que não foram capazes. “Salvador está sem orçamento, e terá precariedade nos serviços. Por isso, devemos apelar para a iniciativa privada, que tem capacidade de gerir sem burocracia e agilidade de buscar resultado”, declara.

Carvalho informou que a STP recorreu à sentença contra a taxa de gerenciamento, mas que a Justiça deu ganho de causa às empresas. “As empresas argüiram desequilíbrio financeiro do sistema para contestar o Fundetrans. Conseguiram o não pagamento da taxa anterior, que estavam pagando com perdas”, declara, dizendo também que está tentando negociar a elevação no percentual.

Para o superintendente, mesmo a taxa anterior não custeava investimentos nas estações, apenas a manutenção. “A gente precisa de custeio, mais investimento. Melhoria, reforma, ampliação. O Fundetrans não dá condição de investir”, completa.

As muitas irregularidades

A Estação da Lapa é um exemplo da situação de sucateamento em que se encontram as estações de transbordo de Salvador. Um relatório de vistoria feito pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia da Bahia (CREA-BA) em dezembro de 2006 detectou 180 irregularidades na estação, a maior parte delas relacionadas à falta de manutenção.

O relatório apontou que os sanitários estão com instalações precárias e interditados por problemas de funcionamento. O sistema de exaustão de gases do subsolo não está funcionando, as instalações elétricas não são adequadas e a estrutura física está desgastada por infiltrações. O CREA detectou também que a Estação não dispõe de rampas de acesso para deficientes físicos.

Nas conclusões, o órgão assinalou que a população corre risco com os níveis de ruídos acima do recomendado, com a inexistência de sistema de combate a incêndio e a falta de posto para atendimento médico de emergência. Para o conselho, a estação da Lapa, inaugurada em 1982, é a maior e mais importante de Salvador, com 460.000 usuários por dia, segundoa STP.

Entenda a terceirização

- É uma concessão de direito de uso e exploração das oito estações de transbordo de Salvador, feita da prefeitura para a iniciativa privada. O acordo permite à empresa vencedora administrar as estações, que continuam sendo patrimônio público. É como se elas estivessem sendo alugadas, e não vendidas.

- Envolve as estações da Lapa, Pirajá, Barroquinha, Aquidabã, Iguatemi, Rodoviária, Mussurunga, e a Estação do Acesso Norte, que funcionará com o metrô.

- Inicialmente, o prazo é de 20 anos, renováveis por mais vinte.

- O valor mínimo estabelecido no edital para a concessão das 8 estações é de 100 mil reais (que a licitante pagará de “aluguel” à Prefeitura pelo uso e exploração, item 8.2 do edital).

- Os custos que a licitante deverá assumir atingem a soma de 1 milhão e 46 mil reais, (Demonstrativo de gastos/Estações de Transbordo-2006, fornecido pela STP ao Ministério Público).

- A fonte de renda da licitante, para arcar com estas despesas virá principalmente do aluguel de lojas e espaços publicitários nas estações (Seção V do edital).

- A licitante deve arcar com os custos de manutenção e investimento em modernização das estações.

Cronologia da terceirização

 26/12/2006 STP lança edital
 1/03/2007 Ministério Público envia recomendação ao STP para suspender o edital.
14/03/2007 Audiência pública com MDTPS, Ministério Público e STP. Após pressões, a STP suspende por dois meses o edital.
14/05/2007 Prazo para a STP apresentar um edital livre das falhas apontadas pelo Ministério Público e pelo MDTPS.

 
 
 
   
 
 
   
   
   
 
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Universidade Federal da Bahia. Jornal da Facom. 2007.