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Muçulmanos na terra do carnaval

Comunidade islâmica vivendo na Bahia sofre preconceito e enfrenta práticas contrárias à fé.

 

Vasco Menut
Da equipe de reportagem

 
Vasco Menut

Adepta do Islã com o hijab, em Salvador.

 

Segundo o comerciante burquinense [de Burkina Faso, África] Dabre Moussa, 35, residente em Salvador, as coisas não estão indo como o previsto para os muçulmanos que escolheram a capital baiana para fazerem os seus negócios. “A cidade é toda voltada ao turismo, Carnaval e festas. O comércio está calcado nas bebidas alcoólicas. Nós, como muçulmanos, não podemos trabalhar nesta área devido à própria lei e costume islâmicos, por isso muitos dos comerciantes estrangeiros que vêm trazendo as  suas mercadorias para cá acabam indo para outras cidades. É preciso passar por muito sofrimento para poder se manter aqui”, diz ele.

Hoje, no Centro Cultural Islâmico da Bahia (CCIB), situado em Nazaré, aberto de segunda a sábado das 8 às 16 horas, são realizadas palestras e orações cinco vezes ao dia. Aos sábados, há aulas de educação islâmica e costumes da tradição islâmica, ministradas pelo sheik Abdul Ahmad, da Nigéria. Ainda no Centro encontra-se uma biblioteca cheia de artigos sobre o Islamismo, visitada freqüentemente pelos acadêmicos e pesquisadores de vários estados do Nordeste.

Atualmente, o CCIB se depara com dificuldades de manutenção. “O Centro recebia um auxílio financeiro que era dado a todas as instituições islâmicas do mundo, visando apoiar as suas atividades sociais e divulgação do Islã. O montante vinha de países como Arábia Saudita e Kuwait, mas com a nova lei implantada contra o auxílio ao terror, este dinheiro não está mais sendo repassado, o que dificulta as nossas atividades sociais. O Centro vem sendo mantido com a contribuição dos irmãos, cada um contribuindo na medida do possível mensalmente. Esse dinheiro é usado para pagamento de luz, água, IPTU e demais necessidades da casa”, explica Abu Bakr, 31, Imã do CCIB.

Apesar das dificuldades, a comunidade, segundo Bakr, continua unida, participando das orações e divulgando a religião na Bahia. Hoje mais de 400 famílias baianas são adeptas. Todas as sextas feiras reúnem-se em média 50 pessoas no CCIB. Crianças, jovens e velhos de diferentes nacionalidades (brasileiros, árabes, palestinos e africanos) para a oração sagrada que começa às 12h30. A maioria vai usando vestuário muçulmano, principalmente as mulheres. Dizem ser um desafio, porque sofrem discriminação nas ruas.

Dificuldades


“O povo da Bahia não aceita o hijab (vestuário da mulher muçulmano), tem grande dificuldade de aceitar pessoas diferentes deles. Basta você sair na rua vestida de hijab e começa logo a ouvir piadas, perguntam se você é de Marrocos ou se você é esposa do Bin Laden. É preciso ser muito forte para poder ignorar essas piadas, mas para a gente o importante é seguir o costume do Islã”, explicou a socióloga Aminat Toure, 31, pernambucana.
Na Bahia, a maioria das mulheres muçulmanas não usa o vestuário muçulmano, por medo de serem descriminadas na sociedade. A maioria só usa quando viaja para fora. Conforme Monique Nunes Gomes, 17, estudante, “usar hijab é obrigatório para as mulheres muçulmanas. Eu a uso sempre que vou sair da casa, no colégio as pessoas já estão habituadas a me verem assim, mas o problema é com os mais velhos nas ruas. Eles olham com aquele olhar estranho, condenando você. E também há aqueles curiosos que se aproximam e perguntam se você é muçulmano ou de onde você é”.

Primeiros vieram escravizados

Os primeiros muçulmanos que chegaram ao Brasil vieram escravizados da África. Em 1835, eles participaram da Revolta dos Malês, na Bahia, uma rebelião contra a escravidão, que pretendia implantar o islamismo por aqui. Vencidos, os malês dispersam-se. A maioria daqueles escravos exercia atividades agrárias, mas o escravo da cidade, desde o início do século XIX, ultrapassou o limite de relação senhor e escravo, entrando em contato com os demais diferentes grupos sociais, levando com que o islamismo se propagasse mais rapidamente.
No contexto urbano os escravos muçulmanos se diferenciavam dos demais, pois não aceitavam a imposição religiosa de seus senhores. Os senhores tentavam converter esses escravos ao cristianismo através do batismo, ignorando as crenças desses, mas o fato contribuiu para que os muçulmanos ficassem ainda mais unidos na sua prática religiosa.

 
 
 
   
 
 
   
   
   
 
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Universidade Federal da Bahia. Jornal da Facom. 2007.