Já pensou em ir a África? Antes de responder para si mesmo, exclua as opções de fazer um safári, ou prestar ajuda humanitária. Ao menos quando o país é Angola, pode-se encontrar oportunidade de emprego no continente africano. Muitos baianos já foram e há quem esteja naquele país pela segunda vez. Castigada por mais de 30 anos de guerra civil, Angola inicia sua reconstrução e recebe cada vez mais investimentos, importando, além de bens e serviços, empresas e profissionais.
“Nunca vi um revólver em Angola. Só fuzil e AK 43”. Quem diz é a produtora cultural Leila São Paulo, sobre o ambiente de violência, resquício da guerra, que vivenciou. Leila morou dois anos e meio no país africano, entre 2003 e 2006, trabalhando numa empresa de promoção e produção cultural brasileira. Ela diz que encontrou em Angola as melhores praias que já viu, um povo que classifica como “muito bonito” e acha que vale a pena a experiência. Mas não esconde o choque de quem morava num apartamento da Pituba e foi parar no centro de um antigo campo de batalha. Ainda no avião para Luanda, um casal de brasileiros tentou lhe dar uma idéia de como era o aeroporto: “Você conhece a rodoviária de Itaberaba?”, equipararam.
Leila São Paulo conta que já foi ameaçada por um homem armado numa briga de trânsito numa das ruas de Luanda. “África é, de fato, uma região às voltas com miséria, fome, doenças etc. O quadro de violência é relativo. Há mais homicídios em Recife, por exemplo, que em toda Angola”, lembra o jornalista José Carlos Teixeira. Teixeira presta consultoria para o governo de Angola e, desde agosto do ano passado, está naquele país pela segunda vez. A primeira, entre 2000 e 2002, foi em plena guerra entre o governo do partido Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e forças da oposição. Na época, Teixeira trabalhava como consultor da Agência Angola Press (Angop) de notícias. “Hoje encontrei um país vivendo um período de paz (a guerra acabou em 2002) e às voltas com um grande programa de reconstrução nacional. Por todo o país, há obras de recuperação da infra-estrutura (estradas, pontes, prédios...) destruída durante o conflito”, testemunha.
Angola é rica em diamantes e metais preciosos e desde 2004 produz mais de 1 milhão de barris de petróleo ao dia, segundo site da BBC para a África. A Petrobras está no país desde 1979, e hoje mantém contrato de exploração e produção de petróleo. Outra empresa brasileira, a Odebrecht, lucra em terras angolanas. O último contrato da empreiteira com a Empresa Nacional de Estradas de Angola (ENEA), foi de 39 milhões de dólares, de acordo com divulgação do próprio grupo.
No fim de março de 2007 foi inaugurado o primeiro shopping center de Angola, o “Bellas Shopping”, um investimento de 35 milhões de dólares americanos, segundo site da Angola Press. Em reportagem do Jornal Digital do dia 26 de março deste ano, destacam-se dados econômicos como o crescimento real de 13% ao ano e da redução drástica da inflação. Nada disso até agora conseguiu tirar de Angola o maior índice de mortalidade infantil do mundo - a cada mil nascimentos, 191,19 crianças morrem antes de completar cinco anos de idade, segundo site Index Mundi.
Bons salários, normalmente, são um atrativo para profissionais estrangeiros. Além disso, gastos de moradia, transporte e até quatro viagens anuais ao Brasil são cobertos pelos empregadores, que podem ser empresas nacionais, internacionais, ou o próprio governo angolano. Leila São Paulo informa que ela e o noivo, que também trabalhou no país, vão comprar um apartamento com o dinheiro que juntaram em Luanda. Teixeira, que trabalhava no jornal A Tarde, diz que compensa financeiramente. Quem está indo para lá agora diz que com a estabilização, os salários vêm diminuindo. “Vou mais pela experiência. Ganharei uma mixaria, mas quero passar por essa aventura”, diz Juliano Lefundes, técnico agrimensor, espécie de topógrafo especializado. De malas prontas para Luanda, ele embarca este mês de abril, já contratado por uma empresa especializada.
“Kuduro” é estilo musical
Parece trocadilho de banda de pagode baiano, mas “kuduro” é um estilo de música comercial angolana cujos movimentos de dança em muito lembram os da Bahia. Isso para não falar na “tarrachinha”, que segundo Leila São Paulo é “praticamente um arrocha africano”. Vídeos com esses e outros estilos de música e dança angolanos estão disponíveis no site YouTube.
A semelhança cultural na música, comida e temperamento do povo pode fazer com que os baianos em Angola se sintam um pouco em casa. Essa ligação não vem de hoje, mas desde que começou o comércio de escravos africanos para o Brasil. Muitos bantos, principal etnia angolana, vieram para as senzalas brasileiras, de acordo com artigo de Tata Nkasute, disponível na Casa de Angola, localizada no centro antigo de Salvador.
Motivado por redescobrir essas raízes, Mateus Aleluia, músico baiano, se mudou para Angola no ano de 1983, em plena guerra civil. “O povo é o mesmo”, afirma. Mateus é ex-integrante do grupo Tincoãs, conhecido na década de 70 por se inspirar na música dos terreiros de candomblé de Cachoeira, recôncavo baiano. Foi para Luanda por uma semana fazer shows e ficou quase 20 anos. Em Salvador desde 2002, seu Mateus desenvolve projetos como o de uma Opereta Sacro-profana, em parceria com a TVE Bahia. “Eu estou fazendo um restauro. Se vou voltar agora para Angola, se vou ficar por aqui (em Salvador), só Deus sabe. Mas, na verdade, eu nunca vou sair de África”, diz. |