Ao meio dia de 29 julho deste ano, estourou uma rebelião na Penitenciária Lemos de Brito, a maior da Bahia, localizada no bairro de Mata Escura em Salvador. Os detentos fizeram reféns três agentes penitenciários e dois presos de boa conduta. O resultado do motim foi a morte de Miriam Tereza, 40 anos, uma das agentes penitenciárias. Duas outras agentes tornadas reféns alegaram desequilíbrio emocional e pediram aposentadoria compulsória. De modo geral, os agentes trabalham sem condições mínimas de segurança e não têm acompanhamento psicológico. Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), esta é a segunda profissão mais estressante do mundo, perdendo apenas para quem trabalha em minas subterrâneas.

O Estado da Bahia, que totaliza quatorze penitenciárias, sem contar as terceirizadas, mantém sob custódia 4.700 detentos em Salvador, com apenas 1.390 agentes para dar conta do trabalho. Segundo Cândido Rosa Neto, 46 anos, um dos coordenadores do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado da Bahia (Sinspeb), só na Penitenciária Lemos de Brito há a necessidade de 120 homens a mais. No total, Salvador tem uma demanda aberta de 500 servidores entre homens e mulheres. Diversas funções são acumuladas pelo cargo, como vigilância de presos. Escolta no caso de deslocamentos, revista dos detentos, familiares, advogados, entre outras atuações.

Para assumir uma vaga de agente penitenciário é necessário passar por um processo seletivo num concurso público no qual o pré-requisito básico é ter o ensino médio. Contudo, existem agentes que têm formação superior em áreas como direito, sociologia e psicologia. Há alguns anos, o governo estadual vem optando pelas contratações através do Regime Especial de Direito Administrativo (REDA), mas o grande problema nesse caso é o fato de o contratado permanecer no emprego somente dois ou quatro anos. Após deixar o cargo, o ex-agente permanece marcado diante da marginalidade, já que para o ex-recluso ele será sempre um agente penitenciário.

Por conta disso, o sindicato reivindica para a categoria uma preparação prática para o exercício da profissão. “Há muito tempo exigimos o treinamento prático, uma Escola Penitenciária para ter um aprimo

“Somos tão detentos quanto eles”
Danielle Antão e Leandro Rios

ramento das funções que o agente ai exercer no dia-a-dia, afirma Rosa Neto. Gildalia Anjos Santos, 50 anos, agente penitenciária, demonstra preocupação quanto ao comprometimento dos servidores penitenciários que trabalham pelo REDA, pois a maioria tem o ensino superior incompleto e muitas vezes necessita do emprego para pagar a faculdade. A agente receia que isto facilite as ações ilícitas entre os agentes e detentos ou familiares dos mesmos”.Isso faz com que eles não tenham compromisso com o trabalho, co o grupo, pois nós temos que trabalhar um cuidado do outro “, diz Gildalia.
Gildalia tem uma maneira diferente de entender o detento devido ao seu trabalho junto a comunidades pobres e mulheres negras. Ela, que atualmente trabalha na Lafaiete Coutinho (unidade semi-aberta), desempenha a função de agente penitenciária há 17 anos, sendo que 13 destes na Penitenciária Feminina do Complexo Lemos de Brito que, segundo ela, tinha 20 mulheres presas por serem prostitutas ou donas de prostíbulos. Ao se analisar o quadro da segurança pública, percebe-se principalmente a falta de infra-estrutura nos presídios soteropolitanos. Os agentes penitenciários trabalham somente com um cacetete e um apito fornecidos pelo Governo. Por isso tramita hoje no Congresso Nacional uma proposta para a criação de uma polícia penitenciária que trabalharia junto aos agentes. Num momento de crise dentro dos presídios, o primeiro alvo dos detentos são os servidores penitenciários. Além disso, há ainda uma constante falta de disciplina dos reclusos.

Gildalia já passou por uma rebelião na penitenciária feminina, mesmo local em que sofreu uma ameaça de morte por uma das detentas, e por isso, pediu transferência para outra unidade. Hoje, ao andar pelas ruas, ela dia ter mais atenção, demonstrando certa preocupação. Os detentos brincam que a pena deles é determinada, um tempo curto, enquanto a dos agentes são 30 anos de serviço: “Somos tão detentos quanto eles”, afirma Gilgalia.

Há sete anos foi feita uma pesquisa pelo Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador (Cesat), com o objetivo de analisar as conseqüências da estafante jornada de 24h de trabalho, foi aplicado um questionário de 80 perguntas sobre condições de trabalho, queixas de doenças, alcoolismo e estresse, além de dados pessoais.

Constatou-se que dos 311 agentes entrevistados, 30,7% sofrem distúrbios psíquicos que incluem ansiedade e depressão. A Secretária de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH) recebeu uma cópia da pesquisa e até hoje não se posicionou diante das reivindicações dos servidores penitenciários. A Secretária foi procurada pela reportagem, mas não deu qualquer retorno.

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Jornal da Facom - Ufba 2007