O Movimento Estudantil construiu sua credibilidade e fama em cima de lutas históricas pela democratização da política brasileira, como na época da Ditadura Militar. Hoje, o movimento antes considerado como uma vanguarda dos movimentos sociais ao ocupar uma posição relevante na vida política do país, tem importância questionada devido a uma recente crise de representatividade. A UNE este ano, comemora seu 70º aniversário com o grande questionamento de quais as principais bandeiras que o movimento deve assumir, e como atrair os estudantes para a participação da vida política.
UNE: a vovó que vive de história
Maria Paula Almada
Rafael Mello
Emiliano José, ex-coordenador do movimento estudantil da AP, grupo guerrilheiro da época da ditadura militar, reconhece a perda de forças que o movimento sofreu após a abertura democrática: “A UNE hoje é diferente de quando eu fazia Movimento Estudantil. Hoje não sei quem é o presidente. Na minha época existia liderança, nomes nacionais, a voz do ME enfraqueceu-se”. Apesar de estar sempre próximo aos estudantes – Emiliano é professor universitário – ele questiona-se sobre aspectos que em sua época eram nítidos e evidentes: “Quais são as grandes bandeiras e utopias do ME hoje?
Eu não sei. A minha impressão é que o ME perdeu a identidade”.

A crise de representatividade é discutida dentro do próprio movimento, mas as opiniões divergem quanto às causas do problema. Para Flavio Franco, diretor de políticas educacionais da UEB e membro da UJS, o problema não está propriamente no movimento: “onde a juventude em si está inserida? O que influencia a juventude hoje é o consumismo e o individualismo provocado pelo neoliberalismo”. Bruno da Mata, membro da juventude do PSB e filho da Deputada Federal Lídice da Mata (do mesmo partido), avalia que “o problema está relacionado com a forma burocrática como a UNE é induzida. Nos últimos anos, as direções de entidades, como a UNE, se afastaram muito do ME, e elas precisam voltar a se aproximar”. Emanuel Freire, membro da juventude do PT, acredita que para solucionar esta crise, é necessário que “a une pense em se redemocratizar internamente para democratizar suas disputas e sua relação com os estudantes”.

Outro ponto de crítica à direção da UNE está relacionado ao posicionamento da entidade perante o governo federal. Raíza Rocha, membro da juventude do PSTU, é incisiva ao afirmar: “no segundo mandato de Lula houve uma mudança qualitativa da UNE, que teve como conseqüência o abandono das bandeiras do ME, já que essas bandeiras chocam-se com as idéias das instituições”. Já Freire, apesar de crítico, pondera: “contestamos a direção majoritária da UNE, majoritariamente pertencente à UJS que, por vezes, tem posições muito adesistas em relação ao governo, mas legitimamos a entidade”. O membro da UJS, Franco, defende que a atitude da UNE é de disputa de projetos, para ele, “a UNE está tendo mais espaço para dialogar com o governo. Hoje temos um forte diálogo, por exemplo, com o ministro da educação, e por essa relação de diálogo conseguimos conquistar algumas das bandeiras históricas do ME, como a reserva de cotas e garantia de investimento em assistência estudantil”.

Movimento Estudantil e partidos políticos
Um dos discursos que tenta descredenciar a legitimidade do movimento estudantil é a estreita relação dos seus componentes com os partidos políticos. Franco e Freire atribuem este argumento a uma direita reacionária, e acreditam que a participação de militantes do movimento estudantil em partidos políticos é benéfica, pois essa possibilidade representa o resultado de uma conquista democrática do próprio movimento ante a situação de opressão imposta pela Ditadura Militar.
Bruno da Mata, no entanto, ressalta que “é fundamental diferenciar militância no partido político de militância política na universidade”. Ele acrescenta, ainda, que “hoje as pessoas caminham dos partidos para o ME, e não deveria ser assim. O partido querer usar o ME com um trampolim para suas idéias e seus quadros é um problema”. Raíza Rocha avalia que “houve um aparelhamento do ME, ou seja, a utilização do ME para a formação de futuros deputados”. Emiliano, que participou do movimento estudantil e hoje possui em seu currículo 10 anos de mandatos no legislativo, lembra: “Eu não estava no ME porque almejava um cargo parlamentar, queríamos transformar a sociedade, o mundo, e principalmente o ensino”.

UNE x Conlute
Os estudantes que militam no PSTU, por discordarem das práticas e bandeiras da UNE, fundaram, no ano de 2004, a Conlute. Raíza Rocha justifica que este afastamento se deve ao fato de que “A UNE vem se adaptando ao estado desde o governo FHC. No governo Lula, a UNE foi direto para o lado do governo, a exemplo da reforma universitária”.

No entanto, a própria forma de enxergar o estado como instituição ilegítima é um dos impedimentos para que haja o diálogo entre os movimentos: “Não queremos administrar o estado burguês, pois não é possível humanizar o capitalismo”, explica Raíza, contrapondo a visão dos demais estudantes que participam do movimento. Para o PSTU, participar das eleições serve apenas para divulgar seu programa e se eleitos, os “candidatos fazem um parlamento de denúncia”.

Para Freire, “o PSTU é incapaz de viver na democracia, são incapazes de disputar a UNE. O que eles criticam na UNE, reproduzem na Conlute: centralismo e falta de debate. A Conlute expressa apenas a opinião do PSTU, só que, assim como o PSTU, não tem representatividade alguma”.

O PSTU acredita que a revolução é um processo no qual a classe trabalhadora irá se armar e lutar contra o estado burguês. Raíza deixa claro que “A violência revolucionária é necessária, não adianta agente [militantes do PSTU] ir com paus e pedras se eles têm o exército”. Mata acha que o discurso não condiz com as atitudes: “Quem é a favor da revolução armada não bota a cara na televisão”.

Política também se faz na Universidade

Em abril, os alunos da UFBA votaram nas eleições da diretoria do DCE. O processo contou com a participação de quatro chapas, que somadas, receberam cerca de 8 mil votos. A chapa vencedora, ‘Quilombo/Kizomba’, obteve 2.180 votos, enquanto a chapa 3, ‘Coletividade e luta’, totalizou 2.086 votos, apenas um a mais que a chapa 2 (‘Eu quero é botar meu bloco na rua/Flores’), com 2.085 votos e a chapa 4, ‘Vem sambar no meu terreiro’, obteve 1.300 votos. O processo eleitoral teve como resultado a impugnação de 6 urnas e a necessidade de uma eleição suplementar, gerando uma discussão que ultrapassou os limites da universidade devido à polêmica da possibilidade de fraudes.

Franco, membro da Chapa 2, considera que sua chapa foi prejudicada e levanta suspeitas de corrupção dentro do processo eleitoral: “há indícios que as eleições do DCE foram fraudadas. Algumas urnas sofreram o chamado ‘emprenhamento’, ou seja, as urnas tiveram mais votos do que deveriamter. Foram injetadaspor um grupopolítico que tem influência naqueles cursos onde houve a fraude. Como, por exemplo, a urna de música, que teve mais de 200 votos, quando na prática não existia essa quantidade de estudantes assistindo aula na unidade”. Franco acusa ainda que “a comissão eleitoral foi totalmente permissiva e parcial às chapas que, no final do pleito, ficaram em primeiro e segundo lugar nas eleições. Antes da tomada da decisão de impugnação de algumas urnas, membros da comissão eleitoral que são militantes de algumas forças políticas consultavam suas respectivas chapas para tomar a decisão”.

Freire, membro da chapa 1, “Quilombo/Kizomba”, atual gestão do DCE, discorda da acusação de que a comissão eleitoral tenha sido permissiva com sua chapa, afinal, “a maioria da comissão eleitoral era da chapa 3, só tinha uma pessoa na comissão que era simpática à nossa chapa”. Para Freire, “as denúncias não têm fundamento na realidade”, ele entende que estas acusações se devem ao fato de que “O PC do B [que apoiou a chapa 2] tava com medo de perder a eleição. Isso de fraude é só conversa, choro de perdedor. A eleição suplementar foi baseada no regimento. Se eles sustentam esse papo de fraude até hoje é porque não tinham política para apresentar aos estudantes”.

O que aconteceu
As urnas impugnadas feriram o regimento eleitoral por apresentarem irregularidades como a falta de assinatura do mesário atrás das cédulas e haver um maior número de votos do que de votantes. Por isso foi necessário que nestas urnas houvesse uma eleição suplementar. A urna localizada no PAF, apesar de ter sido impugnada, foi a única a não participar das eleições suplementares. Por ser uma urna volante, na qual todos os estudantes podem votar, é inviável o controle do número de votantes, que na primeira eleição foi de 140.

Bruno da Mata, membro da chapa 2, reconhece que o diálogo com os membros do DCE tornou-se difícil depois do desgaste com as eleições. Ele avalia que “eles agora estão com dificuldades em dialogar com outros setores do ME”. Afirmou ainda que a chapa da qual ele participava não entrou com processo judicial porque “seria menos prejudicial para o próprio ME da UFBA, preferimos levar a fraude às urnas às ultimas instâncias apenas dentro do movimento”.