“As condições de higiene são as piores possíveis e o cheiro que emanava em toda a instalação era insuportável... Há evidentemente, um tratamento massificado e a prática de abuso de medicamentos”.
Assim declarava o grupo formado por deputados federais participantes da I Caravana Nacional de Direitos Humanos que visitou Salvador em 2000, para ver de perto a situação das instituições mentais naquela época. Publicado na Revista do Conselho Federal de Psicologia, o relatório final previa a imediata intervenção da instituição visitada, o Sanatório São Paulo. Sete anos depois, profissionais, pacientes e famílias tentam se adaptar a um novo modelo de atendimento psiquiátrico. As unidades “humanizadoras” chamadas de CAPS, Centro de Atenção Psicossocial, NAPS, Núcleos de Atenção Psicossocial e HD, Hospitais - Dia além das residências terapêuticas, já são realidade em Salvador. Contudo, é possível encontrar na cidade alguns hospitais de caráter manicomial. O sanatório São Paulo é um deles.
Em abril de 2001, o governo federal instituiu a chamada lei da reforma psiquiátrica que prevê a extinção progressiva de manicômios e sanatórios. Com o objetivo de descentralizar o atendimento oferecido e “humanizar” as unidades de tratamento, foram criados em Salvador cerca de 9 centros de apoio psiquiátrico. Nesses centros, ressalta a gerente do Centro de Saúde Mental Aristides Novis, Paula Azevedo, “os pacientes passam por uma triagem inicial durante uma semana. Psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais avaliam o quadro desses indivíduos, estabelecendo seus perfis: intensivos, semi-intensivos ou não intensivos. Passam o dia em observação e atividades e vão para casa à noite”. Os CAPS funcionam de segunda à sexta feira, das 8h às 17h.
Além disso, os pacientes atendidos pelo Centro participam de oficinas de artesanato, pintura, serigrafia. É o caso de Jurandir Neto de Melo Júnior. Seus trabalhos chamam atenção pela caligrafia impecável. O professor da língua germânica conta como foi sua incursão pela Alemanha anos atrás. “Minha mãe disse que eu não devia sair sozinho de casa porque eu ainda não tinha o visto. Mas aí eu saí e fui para uma cidade vizinha. Acabaram me pegando e eu fui extraditado para o Brasil”. Orgulhoso do seu alemão fluente, o professor se oferece para trazer sua gramática de língua estrangeira e dar aulas aos colegas. Às 17h, os responsáveis pelos pacientes chegam aos CAPS para buscá-los. Na saída, Jurandir presenteia a equipe de reportagem com um carinhoso bilhete, onde se lê: “Ich hable mich gefreut, ihre bebakanntschaft gemacht zu haben.” (Eu me alegro em ter sua amizade”).
Contenção “mecânica” ainda é feita
As famílias de pacientes que sofrem com distúrbios mentais, psicóticos e neuróticos, na maioria das vezes não sabem como lidar com a doença. Segundo a psicóloga Ilca Moura, sub-gerente do CAPS localizado no bairro de Brotas, as unidades de atendimento psiquiátrico possuem grupos de apoio à família. “Mas não existe um programa que vá buscar essas famílias. Por isso mesmo é trabalhada a autonomia desses pacientes nos centros de apoio”. Para o funcionário do manicômio São Paulo, Luiz Carlos Ribeiro, “ninguém quer ter maluco em casa”.
As mudanças porque passam algumas instituições de modelo manicomial, que culminou com o fechamento do manicômio Ana Nery e do sanatório Bahia, parecem não atingir o manicômio São Paulo. Agora também chamado pelo nome de Clínica Prof. Nelson Pires, a instituição conta hoje com cerca de 160 leitos. Diferentemente dos centros de atenção psicossocial, o sanatório que é mantido com verbas do SUS “só faz internamentos”, segundo o também funcionário Eric dos Santos Moraes. Para ser feita a internação é necessário um laudo emitido pelo hospital Juliano Moreira ou pelo Mário Leal. A clínica, segundo Eric Moraes, desenvolve trabalhos de artesanato e pintura em atividades de terapia ocupacional. Durante a visita da reportagem, alguns pacientes andavam livremente pelo pátio da instituição. Até o momento em que um deles avançou rumo à saída, onde se encontrava o porteiro que rapidamente avisou “Este é agressivo”. Os portões foram fechados.
Em casos mais graves, segundo Luiz Ribeiro, “ainda é feita a contenção mecânica: os pacientes são sedados e amarrados nas camas”, contrariando a lei de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos dos pacientes com transtornos mentais. Mas não há nenhum tipo de quarto solitário, como no passado. Quando estão em crise, esses pacientes “ficam sob vigilância dos médicos e enfermeiros”, acrescenta Eric Moraes. A estudante Jaqueline Ferreira da Silva, estagiária do curso técnico de enfermagem, há pouco mais de uma semana no sanatório, revela suas primeiras impressões: “acho um pouco arriscado”. Para ela, “a gente não está preparada para isso no início, me tremi toda”. A estagiária ainda acrescenta “Pelo que a gente viu, a segurança dos funcionários lá é zero”. Quando questionado sobre as condições de trabalho no sanatório São Paulo, Eric Moraes admite “não possuímos suporte psicológico, mas, segundo a direção, vão chegar uns psicólogos na terapia ocupacional para nos ajudar”. A direção da instituição não quis se pronunciar.