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Loucos são os outros

 

Manicômios, sanatórios e parentes de pessoas com distúrbios mentais tentam se adaptar a novo modelo

   
 

Camila Moreira
Da equipe de reportagem

 
 
Humberto Saldanha
Psicóloga acompanha paciente em um dos centros de atendimento psicosociais da capital baiana
   
   
 

“As condições de higiene são as piores possíveis e o cheiro que emanava em toda a instalação era insuportável... Há evidentemente, um tratamento massificado e a prática de abuso de medicamentos”.

Assim declarava o grupo formado por deputados federais participantes da I Caravana Nacional de Direitos Humanos que visitou Salvador em 2000, para ver de perto a situação das instituições mentais naquela época. Publicado na Revista do Conselho Federal de Psicologia, o relatório final previa a imediata intervenção da instituição visitada, o Sanatório São Paulo. Sete anos depois, profissionais, pacientes e famílias tentam se adaptar a um novo modelo de atendimento psiquiátrico. As unidades “humanizadoras” chamadas de CAPS, Centro de Atenção Psicossocial, NAPS, Núcleos de Atenção Psicossocial e HD, Hospitais - Dia além das residências terapêuticas, já são realidade em Salvador. Contudo, é possível encontrar na cidade alguns hospitais de caráter manicomial. O sanatório São Paulo é um deles.

Em abril de 2001, o governo federal instituiu a chamada lei da reforma psiquiátrica que prevê a extinção progressiva de manicômios e sanatórios. Com o objetivo de descentralizar o atendimento oferecido e “humanizar” as unidades de tratamento, foram criados em Salvador cerca de 9 centros de apoio psiquiátrico. Nesses centros, ressalta a gerente do Centro de Saúde Mental Aristides Novis, Paula Azevedo, “os pacientes passam por uma triagem inicial durante uma semana. Psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais avaliam o quadro desses indivíduos, estabelecendo seus perfis: intensivos, semi-intensivos ou não intensivos. Passam o dia em observação e atividades e vão para casa à noite”. Os CAPS funcionam de segunda à sexta feira, das 8h às 17h.

Além disso, os pacientes atendidos pelo Centro participam de oficinas de artesanato, pintura, serigrafia. É o caso de Jurandir Neto de Melo Júnior. Seus trabalhos chamam atenção pela caligrafia impecável. O professor da língua germânica conta como foi sua incursão pela Alemanha anos atrás. “Minha mãe disse que eu não devia sair sozinho de casa porque eu ainda não tinha o visto. Mas aí eu saí e fui para uma cidade vizinha. Acabaram me pegando e eu fui extraditado para o Brasil”. Orgulhoso do seu alemão fluente, o professor se oferece para trazer sua gramática de língua estrangeira e dar aulas aos colegas. Às 17h, os responsáveis pelos pacientes chegam aos CAPS para buscá-los. Na saída, Jurandir presenteia a equipe de reportagem com um carinhoso bilhete, onde se lê: “Ich hable mich gefreut, ihre bebakanntschaft gemacht zu haben.” (Eu me alegro em ter sua amizade”).

Contenção “mecânica” ainda é feita

As famílias de pacientes que sofrem com distúrbios mentais, psicóticos e neuróticos, na maioria das vezes não sabem como lidar com a doença. Segundo a psicóloga Ilca Moura, sub-gerente do CAPS localizado no bairro de Brotas, as unidades de atendimento psiquiátrico possuem grupos de apoio à família. “Mas não existe um programa que vá buscar essas famílias. Por isso mesmo é trabalhada a autonomia desses pacientes nos centros de apoio”. Para o funcionário do manicômio São Paulo, Luiz Carlos Ribeiro, “ninguém quer ter maluco em casa”.

As mudanças porque passam algumas instituições de modelo manicomial, que culminou com o fechamento do manicômio Ana Nery e do sanatório Bahia, parecem não atingir o manicômio São Paulo. Agora também chamado pelo nome de Clínica Prof. Nelson Pires,  a instituição conta  hoje com cerca de 160 leitos. Diferentemente dos centros de atenção psicossocial, o sanatório que é mantido com verbas do SUS “só faz internamentos”, segundo o também funcionário Eric dos Santos Moraes. Para ser feita a internação é necessário um laudo emitido pelo hospital Juliano Moreira ou pelo Mário Leal. A clínica, segundo Eric Moraes, desenvolve trabalhos de artesanato e pintura em atividades de terapia ocupacional. Durante a visita da reportagem, alguns pacientes andavam livremente pelo pátio da instituição. Até o momento em que um deles avançou rumo à saída, onde se encontrava o porteiro que rapidamente avisou “Este é agressivo”. Os portões foram fechados.

Em casos mais graves, segundo Luiz Ribeiro, “ainda é feita a contenção mecânica: os pacientes são sedados e amarrados nas camas”, contrariando a lei de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos dos pacientes com transtornos mentais. Mas não há nenhum tipo de quarto solitário, como no passado. Quando estão em crise, esses pacientes “ficam sob vigilância dos médicos e enfermeiros”, acrescenta Eric Moraes. A estudante Jaqueline Ferreira da Silva, estagiária do curso técnico de enfermagem, há pouco mais de uma semana no sanatório, revela suas primeiras impressões: “acho um pouco arriscado”. Para ela, “a gente não está preparada para isso no início, me tremi toda”. A estagiária ainda acrescenta “Pelo que a gente viu, a segurança dos funcionários lá é zero”. Quando questionado sobre as condições de trabalho no sanatório São Paulo, Eric Moraes admite “não possuímos suporte psicológico, mas,   segundo a direção, vão chegar uns psicólogos na terapia ocupacional para nos ajudar”. A direção da instituição não quis se pronunciar.

   
   
   
 
   
 
 
   
   
 
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Universidade Federal da Bahia. Jornal da Facom. 2007.