FACONISTAS
Também quero
Lara Magalhães
Inspirada pelo atual barraco na casa de Dona Arlette Magalhães, resolvi entrar na justiça para tentar colocar as mãos em algum daqueles santos barrocos do apartamento do edifício Stella Mares, onde a viúva de Antonio Carlos reside. Creio ter motivos suficientes para entrar na disputa familiar pelo espólio e, se tardei para tomar uma posição mais firme, foi porque me iludi quanto à bondade dos meus parentes. Sim, parentes. Como vocês podem ter percebido ao ler o nome que assina esta coluna, tenho como sobrenome o mesmo Magalhães da sigla ACM, que provém, inclusive, da mesma família que atravessou o Atlântico vindo de terras portuguesas. Bastou um estudo mais detalhado (perguntar ao meu pai) para descobrir que Antonio Carlos é, nada mais nada menos, que meu primo. Em quinto grau, é verdade. Mas isto não é pouco, leitores. Significa que o pai do meu avô é primo do pai do senador. Ou melhor, o avô de meu avô é irmão do avô de ACM. E para não deixar dúvidas: meu tataratataravô é bisavô dele. Somos primos, portanto, e por “primo” eu o teria chamado se o tivesse conhecido em vida. E se nosso DNA não é o bastante, afirmo, ainda que alguns professores de História e colegas da Faculdade de Comunicação tenham tentado mudar minha cabeça, que minha educação foi plena e completamente de direita. Minha mãe, a pobrezinha mais loira que já lavou banheiros de Salvador, tinha por ACM um carinho que beirava a devoção. E meu pai, apesar de uma ou outra greve que fez durante a ditadura militar, nunca deu nem meio voto a qualquer pseudo-comunista que já se candidatou a qualquer cargo. Eu também não. O fato de eu não ter votado em Paulo Souto nas últimas eleições não tem nada a ver com qualquer predileção que eu possa ter por Jaques Wagner, mas se explica apenas por eu não ter sido obrigada, graças à minha idade, e pela minha tola convicção de que o povo baiano não entregaria o lugar em que as bundas carlistas já estavam tão confortavelmente acomodadas a um bundão. Outra marca da minha personalidade que comprova a minha relação direta com a família Magalhães é minha constante luta pelos injustiçados. Fiz parte do grêmio do colégio que conquistou a rádio tão pedida pelos alunos e, na sétima série, visitei o Grupo de Apoio à Criança com Câncer, no longínquo Pau da Lima. Desviarei, se preciso, esta energia que tenho dedicado às minhas batalhas sociais para essa que considero uma guerra a ser travada: a conquista do meu direito à parte da herança do meu falecido primo. Aquele quadro de Portinari é meu. Se Tereza Mata Pires, que nem orgulha os familiares e os baianos usando um nome tão nobre e aristocrático quanto Magalhães, tem direito a 12,5% do espólio e continua brigando por mais dinheiro, eu também quero alguns santos barrocos da casa de Dona Arlette. E quão injustos são meus primos, netos do senador, doando a parte que lhes convêm dos bens para o já tão abarrotado apartamento da avó, enquanto meu quarto abre-se como um vão deserto, espaço perfeito para abrigar uma escultura de Aleijadinho. Se o juiz que julgar o meu caso não se convencer por argumentos tão fundamentados, tais como a relação sanguínea direta e o meu jornalismo parcial, terei então que apelar para razões menos nobres. Talvez lembrar que, apesar da fortuna que Dona Arlette trouxe das fazendas de cacau de seu lado da família, os dois bilhões que formam a fortuna do falecido senador provém, em sua maioria, do dinheiro público. Calma, não estou de forma alguma afirmando que meus parentes seriam capazes de um ato como o do desvio de verbas do Estado. Basta fazer as contas para comprovar que não: o senador bastaria ter trabalhado durante uns 11 mil anos, com salário médio de 15 mil reais, para acumular tal montante. É uma maldade pensar no absurdo do tempo, afinal, lembrem-se das diversas empresas, como a gráfica Santa Helena, a Rede Bahia, o Correio da Bahia, etc., gerando verbas ao longo de todos esses anos. Ele só precisaria ter trabalhado como senador, não sei, durante uns mil anos. Mas, ora essa, ele faleceu bem velhinho. Lícita ou ilícita, parte daqueles dois bilhões foi direto dos bolsos de minha mãe loirinha e de meu pai neoliberal para as contas dos Magalhães. A conta do meu lado da família não estaria tão minguada se não fosse a constante doação aos cofres públicos, estes que pagaram os salários não só de Antonio Carlos, mas também de alguns familiares, como o do meu primão, ACM Júnior, e do meu priminho ACM Neto. Os salários, apenas. Prometo, também, se necessário, comprar não lanches da McDonald’s, como os Mata Pires fizeram, mas pagar um jantar no Soho para os oficiais de justiça que forem averiguar que parte me cabe nas obras de arte da casa da viúva. E doarei 10% do valor que chegar a minhas mãos para qualquer parente do juiz que porventura se candidate a algum cargo público. Só não dou meu voto porque este já é do DEM. Mais do que votar, estou disposta a me filiar ao Democratas, porque acredito na democracia e no partido que sempre, sempre, esteve ao lado do povo. Não pretendo ser assassinada, me suicidar, morrer do coração, colocar a família na justiça, casar-me com alguém envolvido no escândalo da Ebal, tentar conseguir um papel secundário em telenovelas globais enquanto freqüento festas de celebridades de segundo escalão ou qualquer ato que possa envergonhar a mui nobre família Magalhães. Seguirei o exemplo deste que é o maior, mais grandioso, o gigante da política baiana, Antonio Carlos Magalhães Neto. E, se tudo isso que disse não for suficiente para os meus parentes ou o juiz terem compaixão de minha pobre alma, largada em uma universidade pública, andando de ônibus nesses tempos de chuva e greve dos policiais, usando alpercatas nestes pés calejados, devo lembrar que sou também limpinha, que meu pai paga os impostos em dia e que meu único furto em vida foi um chiclete, aos dez anos de idade. Onde é que eu assino?
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