CIDADE
Balança, mas não cai
Duas grandes feiras de artesanato de Salvador sofrem reestruturações que ameaçam funcionamentoFilipe Costa
Renata Vidal
A Feira Mauá, espaço encontrado pelos artesãos de Salvador para expor seus produtos, já passou por dias melhores. O projeto, que acontece há seis anos, durante os finais de semana, no Jardim dos Namorados, no segundo semestre do ano passado, por decisão de seus organizadores, foi retirado do tradicional endereço e realocado na abandonada região do Aeroclube Plaza Show. O objetivo era utilizar a Mauá, conhecida por comercializar objetos que retratam a riqueza cultural e religiosa da Bahia, para revitalizar a área. A idéia, no entanto, não durou mais do que quatro meses. As barracas amarelas, padronizadas, da feira, que já foram incorporadas ao cenário da orla da capital, mais precisamente nas imediações do bairro da Pituba, deixaram o local em outubro de 2007 e retornaram em janeiro deste ano. Durante este período surgiram muitas queixas do público e dos artesãos, que consideram o resultado da transferência catastrófico e alegam que os efeitos negativos oriundos da medida perduram até hoje. A artesã Sueli Lopes, 36 anos, desde que deixou São Paulo há dois anos, comercializa objetos decorativos, feitos com conchas e escamas de peixe, na Mauá. O volume de vendas nunca foi motivo para reclamações. A situação só mudou após o período em que oi obrigada a ir para o Aeroclube. Sueli afirma que o fluxo de compradores diminuiu sensivelmente depois da mudança de endereço. “Depois que fomos para lá, perdemos bastante movimento. Quando voltamos, os antigos clientes não tinham mais certeza de onde estávamos e deixaram de visitar”, relatou. As queixas de Sueli não param por aí. Segundo ela, a divulgação do evento é escassa, o que acaba restringindo o público, composto basicamente por moradores de bairros próximos. “Recebo gente de outros lugares, mas a maioria é daqui mesmo, porque eles ficam sabendo mais facilmente. O público poderia ser bem maior, mais heterogêneo, de vários outros bairros da cidade e isso seria bom para todos”, falou. Lídia Diniz, também artesã, faz coro às críticas. De acordo com a comerciante, que produz caixas decoradas para presentes, a ida para o Aeroclube foi desastrosa: as vendas despencaram e o clima de insatisfação tomou conta dos comerciantes, que pagam a taxa de R$ 50 a cada edição – para participar do projeto. “Foram dias amargos, foi a morte da feira”, resumiu. Ela diz que a própria organização percebeu a redução de público e chegou a tomar algumas medidas com o intuito de amenizar as conseqüências: “eles [a organização] chegaram a aumentar os dias de realização da feira. Começou a ter às sextas-feiras também, além do sábado e do domingo, mas nada adiantou”. Lídia não sabe precisar o tamanho da queda no faturamento, mas garante que os prejuízos oram tão grandes que pensou em desistir do comércio. “Foi muito sério, as vendas caíram para lá de 60, 70 por cento, nem sei direito, só sei que foi feio o negócio”, contou. Ela explica que, só agora, quase dois meses após o retorno para a antiga localização, o movimento começa a apresentar sinais de recuperação e a retomar seu ritmo normal. Entretanto, a chegada da temporada de chuvas já preocupa. “Agora que as pessoas estão voltando, teremos de mudar de novo. Desta vez para uma área coberta, porque não dá para ficar aqui quando chove. Até o momento [16 de março] a organização ainda nem avisou onde será isso e nós, os maiores interessados, ficamos na incerteza”, desabafou.
O outro lado
O Instituto de Artesanato Visconde de Mauá, unidade da Secretaria Estadual do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre), é responsável pela coordenação do projeto e desmente as reclamações dos artesãos ouvidos. Um relatório feito recentemente pela instituição aponta regularidade no fluxo de compradores. “Está normal para o período pós-carnaval”, afirma Janete Santos, uma das coordenadoras da Feira Mauá. Ela diz ainda que uma outra pesquisa mostrava crescimento no número de visitantes no Aeroclube. “Havia uma procura cada vez maior lá, era um movimento ascendente, mas os artesãos queriam sair e nós, prontamente, atendemos aos pedidos”. Outra coordenadora, Jucirene Calhau, no entanto, admite: “Foi uma tentativa de revitalizar o Aeroclube, mas que, infelizmente, não deu certo”. Para preservar a identidade da feira e consolidar público, a organização vem sendo criteriosa na escolha dos artesãos que podem integrar o projeto. Hoje, para participar, é obrigatório seguir algumas regras colocadas pelo Instituto Visconde de Mauá. A principal é possuir a carteira profissional de artesão, fornecida pelo órgão. Para obter o documento, é preciso ser aprovado em testes de comprovação das habilidades artesanais: os artesãos têm de produzir seus trabalhos diante de um corpo de jurados especializados, que logo após a avaliação, decidem se o candidato está capacitado ou não. Por conta da adoção dessa postura mais rigorosa, nos últimos meses foram retiradas 120 barracas que comercializavam produtos considerados industrializados e que fugiam, portanto, à proposta da feira. Apesar das dificuldades enfrentadas nestes últimos tempos, muitos artesãos ainda escolhem a Mauá para divulgar e vender seus trabalhos. De acordo com eles, em outros eventos do gênero que acontecem na cidade, o preço cobrado pela exposição é muito mais elevado. Por causa dessa grande demanda de vendedores, a variedade de produtos comercializados lá sempre foi grande. Bolsas de sisal, roupas e acessórios feitos com bordados; fuxicos e crochê; arte em cabaça, entre outros diversos elementos da cultura local, podem ser encontrados nos 80 boxes. Também são vendidas iguarias típicas da culinária regional, como cocadas, licor, bolos de tapioca, mingaus e acarajé. Os preços oscilam bastante, dependendo do produto e da barraca. Em algumas são aceitos até cartões de crédito. Em tempos de pouco movimento, vale tudo para não perder o cliente, até mesmo o velho e bom desconto. “Se o comprador chorar, leva”, falou Lídia, aos risos. Em visita à feira, é possível constatar a tímida movimentação do público. No entanto, ainda há muita gente que coloca a Mauá na agenda de fim de semana. Marli Carvalho, 41 anos, saiu do Candeal, com o marido e os dois filhos pequenos para conhecer o evento e aprovou o que viu. “Fiquei sabendo da feira através de um anúncio no fundo do ônibus e fiquei curiosa para conhecer os artesanatos daqui. Hoje decidi passar por aqui com minha família. Já dei uma olhada nas coisas, nos preços e agora estou decidindo o que vou levar. Gostei bastante”, disse. João Albuquerque, 39 anos, mora em Salvador há 20. Desde que deixou a cidade de Tucano, localizada a 256 km da capital baiana, o representante comercial sempre procura eventos que o façam relembrar das tradições culturais do interior do estado. A Mauá é vista por ele como uma das poucas opções. “Adoro vir pra cá, sempre que dá, eu venho, até por morar perto. Aqui eu encontro quase tudo em termos de artesanato, de artigos regionais”, falou.
Hype no Pelourinho
A Hype é outra grande feira realizada em Salvador que sofreu mudanças significativas nos últimos meses. Organizada pela Bit Media Tecnologia e Cultura, o projeto, que acontecia semanalmente no Instituto Cultural Brasil – Alemanha (ICBA), o Goethe Institut, no Corredor da Vitória, há quase um ano, tornou-se mensal e agora acontece na Praça Teresa Batista, no Pelourinho. A mudança de endereço se deveu a uma solicitação do instituto para que algumas modificações fossem realizadas na feira, principalmente, em relação à venda de produtos, considerados pelo ICBA como não-culturais. “Há gente que diz que tudo é cultura, confundem cultura com sociedade. Essas pessoas acreditam que comida e moda são cultura. Isso é abrangente demais”, disse o diretor, Ulrich Gmünder. Ele completa dizendo que o instituto possui uma definição mais conservadora para cultura: “O que entendemos como cultura é uma visão mais tradicional, literatura, teatro, música e também a discussão de temas contemporâneos como ecologia e migrações”. O Goethe Institut é uma instituição da Alemanha que se instala em outros países para difundir a cultura alemã e contribuir para o fomento da cultura local. Apenas 20% de sua receita é proveniente das mensalidades cobradas pelos cursos de língua oferecidos em suas sedes, o restante é oriundo do governo alemão, que determina os tipos de atividades desenvolvidas por estes institutos em todo o mundo.
Sem brigas
Messias Bandeira, coordenador da Hype, afirma que não houve desavenças entre a Bit Media e o ICBA, as mudanças teriam sido feitas em comum acordo, sem desentendimentos. “Surgiu um pedido para mudar o perfil da feira e então eu preferi mudar o projeto e preservar seu perfil”, afirma Bandeira. Segundo ele, já existia a idéia de modificar a feira e o projeto atual é transformá-la em itinerante. O primeiro passo em direção a isso é levá-la também, para o Passeio Público, no Campo Grande. “A idéia é fazer uma integração entre os diferentes públicos”, disse Bandeira, para quem o público da Hype sempre foi heterogêneo e deve provar este novo formato. Quando se realizava no ICBA a Feira Hype contava com 25 expositores, que vendiam livros, discos, roupas e artesanato. A média de público, segundo estimativa da Bit Media, era de 500 visitantes por dia, sendo que em horários de pico até 300 pessoas circulavam ao mesmo tempo pelos stands. Nos novos espaços, a organização da feira espera reunir um número maior de público e de participantes, que passarão dos 25 que expunham no ICBA para 40. Ao todo são 160 expositores cadastrados no projeto, que se revezam a cada edição da Hype. Catarina Prado, desde o começo da feira, em 2007, vende acessórios no local, onde expôs pela última vez no dia 26 de janeiro. Ela lembra que, nesta data, o evento contou com uma palestra ministrada pelo escritor baiano João Ubaldo Ribeiro. Segundo Catarina, atividades como esta contribuíam para o sucesso da Hype, que, por sinal, é o único lugar onde ela atua como expositora. “Meu produto se identifica muito com o público de lá: uma garotada de 16 a 20 anos, que usa coisas diferentes, são mais intelectualizados, que tem dinheiro para comprar em shopping, mas prefere comprar produtos mais personalizados”, disse Catarina, que também comercializa seus produtos pela internet. A Hype, que no dia 14 de abril completa um ano,sempre foi reconhecida por atrair muitos jovens, interessados, principalmente, nos shows e palestras que aconteciam simultaneamente à feira, e funcionavam como um “esquenta” para a noite de sábado em Salvador. “Eu ia bastante, até mais para encontrar o pessoal antes de sair à noite, porque lá terminava cedo, do que para comprar os produtos vendidos”, conta Lisianne Araújo, 22 anos, estudante de Produção Cultural da Universidade Federal da Bahia. A programação cultural que ocorria junto com a feira vai continuar no espaço do ICBA, só que dentro de um novo projeto, o “Remix-se”, coordenado também pela Bit Media Tecnologia e Cultura. |
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